23/11/2007

Relendo o Eça

Há dias recebi um mail com o título “Ganda Eça” a que achei imensa piada.
E já agora que estou a reler o nosso Eça de Queiroz, não resisto a publicar uma passagem de “Os Maias”
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Calou-se, trincando nervosamente o charuto. E Steinbroken, perante estas coisas políticas, começou logo a retrair-se para o fundo da janela, limpando os vidros da luneta, recolhido, já impenetrável, no grande recato neutral que competia á Finlândia. Ega no entanto não saía do seu espanto. Mas porque caía, porque caía assim um governo com maioria nas câmaras, sossego no país, o apoio do exército, a bênção da Igreja, a protecção do Comptoir d’Escompte?
O Gouvarinho correu devagar os dedos pela pêra, e murmurou esta razão:
- O Ministério estava gasto.
- Como uma vela de sebo?- exclamou Ega, rindo.
O Conde hesitou. Como uma vela de sebo não diria... Sebo subentendia obtusidade... Ora neste Ministério sobrava o talento. Incontestavelmente havia lá talentos pujantes...
- Essa é outra! – gritou Ega atirando os braços ao ar.
- É extraordinário! Neste abençoado país todos os políticos têm «imenso talento». A oposição confessa sempre que os ministros, que ela cobre de injurias, têm, á parte os disparates que fazem, um «talento de primeira ordem»! Por outro lado a maioria admite que a oposição, a quem ela constantemente recrimina pelos disparates que fez, está cheia de «robustíssimos talentos»! De resto todo o mundo concorda que o país é uma choldra. E resulta portanto este facto supracómico: um país é governado «com imenso talento», que é de todos na Europa, segundo o consenso unânime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a ver: que, como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!
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É claro que isto foi escrito no século XIX, não tem portanto nada a ver com o momento presente, para que não haja confusão.

1 comentário:

Elvira Carvalho disse...

Eça era um grande escritor. A que escreveu está tão actual como se fora escrito hoje.
Um abraço