Penicheiro (embora legalmente das
Caldas da Rainha porque não se podia sair do hospital sem estar registado), 46
anos, capricorniano e curioso, um apaixonado pela fotografia, pela natureza e
também por Peniche.
Hoje vamos conversar um pouco com
o Jorge Maia, Presidente da Associação ARMÉRIA - Movimento Ambientalista de
Peniche, uma pessoa que conheço há muito, de grande sensibilidade humana e
muito empenhada e interessada nas questões da sustentabilidade ambiental, da
biodiversidade, das novas fontes energéticas que poderão surgir e os seus
impactos, da preservação e divulgação do Património Geológico de Peniche e não
só.
P.
A Associação Arméria, da qual és Presidente, tem seguido uma linha coerente em
minha opinião, na defesa e divulgação do nosso Património geológico, Reserva da
Biosfera da Berlenga, biodiversidade e sustentabilidade ambiental, etc. Queres
desenvolver?
R.
Durante algum tempo tentou-se “vender” a ideia que o ambiente / ecologia seriam
um entrave ao desenvolvimento e/ou à economia. A Arméria teve desde sempre uma
postura vocacionada para a educação ambiental, de todas as faixas etárias,
assim como para quebrar os tabus de que a defesa de determinados valores
implica ser inimigos do progresso ou apenas uma posição de minorias ou
radicais. A caminho de 1/4 de século, no ano de 2024, muitas das coisas que
estão agora a tornar-se realidade têm sido algo que a associação tem falado,
muitas vezes em jeito de sugestões. Essa coerência e discrição foi apenas muito
pontualmente quebrada por tomadas de posição públicas. Consideramos que é nas
pequenas coisas que é possível fazer a diferença. Os grandes problemas exigem
grandes meios e soluções muitas vezes demoradas, mas há muitas questões que a solução
passa simplesmente pela consciencialização e/ou a alteração de pequenos pormenores,
é aí que podemos fazer a diferença, até porque somos uma entidade que depende
exclusivamente do voluntariado.
P.
Por vezes dou por mim a pensar que alguns movimentos ambientalistas “são mais
papistas que o Papa” para usar uma expressão popular, ou simplificando têm ou
apresentam reivindicações irrealistas, para o momento em que são feitas. O que
achas? Alguma verdade nesta minha afirmação ou nem por isso? – Posso dar um
exemplo de há uns dias, uma organização ambientalista conhecida, afirmava que
“os portugueses comem peixe a mais” ou seja 2.5 vezes mais que a média da UE. Sem
enquadrar os costumes alimentares portugueses, e até o aspecto saudável de se
comer peixe, concordas com aquela afirmação?
R.
Há efectivamente alguns movimentos ambientalistas que defendem posições ou
medidas irrealistas, mas infelizmente também há algumas decisões políticas ou
de grandes grupos económicos que são verdadeiros pesadelos para o futuro do planeta.
Como em tudo na vida é preciso muito debate, procurando compatibilizar os
diferentes valores em causa. Por exemplo, em Peniche, um dos motores do turismo
é a beleza e a riqueza natural. Se não se investir na defesa e valorização
(também económica) será como não investir na saúde das pessoas, mas no
tratamento das doenças… Para tal é preciso um pensamento com uma visão
estratégica e alargada das questões, onde ambiente e economia são aliados.
Relativamente à alimentação portuguesa, o problema não é o peixe no seu todo,
mas nomeadamente o bacalhau, devido à distância e ao método de tratamento, que necessita
de uma grande quantidade de recursos planetários. O peixe seco, um produto
tradicional português, tem nesse campo grandes potencialidades / vantagens, ao
ser um produto local, podendo usar peixe que não seria vendido. É preciso ter
consciência que a alimentação é um campo em que as decisões individuais podem
contribuir em muito para que rumo o planeta caminha. Mais do que não comer
carne ou peixe, é preciso sim ter consciência do que tal consumo implica e
fazer depois escolhas conscientes. O desperdício alimentar, o transporte de
produtos exóticos versus o consumo de produtores locais / nacionais, a produção
intensiva são questões que têm de estar na mente de todos.
P.
Quais são para ti os projectos a nível regional, concelhio e outros que mais
preocupa a Arméria em termos ambientais, sustentabilidade, biodiversidade,
património geológico, etc?
R.
Há ainda um grande atraso na implementação de percursos pedestres homologados
no concelho, sendo também ainda precária a preservação e valorização do
património natural. Continua a ser necessário a sensibilização contra as
mariolas (montes de pedras que para além das implicações ambientais também são
más para o turismo) nomeadamente colocando placas de sensibilização onde estas
são feitas, e, caso tal não resulte implementar a solução existente na Galiza
da sua proibição com multas pesadas. A nível regional Peniche é um dos
municípios que integra o Aspiring Geoparque Oeste, tal é uma oportunidade para
aproveitar as sinergias e a complementaridade com os municípios vizinhos. Com
um prego dourado, na Ponta do Trovão, e uma riqueza tão grande justificava-se a
existência na península de Peniche de um espaço museológico / centro de
interpretação dedicado a esta temática. Encontra-se igualmente em
desenvolvimento a candidatura da Área Protegida do Planalto das Cesaredas, algo
que deverá evidenciar a riqueza desta região, mas que com a construção de uma
central fotovoltaica, que esteve em consulta pública no início deste ano, localizada
integralmente na freguesia de Serra D’El-Rei, que ocupa sensivelmente 50% da
área do planalto do nosso concelho, poderá comprometer as vantagens que tal
classificação natural poderia permitir para Peniche. A nível nacional importa
ainda destacar o “Simplex Ambiental” um diploma legal já em vigor, contrário às
regras europeias e que, mais do que simplificar, promove o facilitismo e
consequentemente a perigosidade de projectos serem implementados sem os
necessários estudos e debates.
P.
No que diz respeito por exemplo à Berlenga que é Reserva da Biosfera e sobre a
qual se disse que iriam ser implementadas medidas para limitar as idas e tempo
de estadia naquela Ilha, assim como outras medidas de carácter das pescas, achas
que as medidas estão a surtir efeito e estão a ser cumpridos os critérios
exigidos pela Reserva?
R.
Relativamente às viagens a Berlengas e ao tempo de permanência não tenho
conhecimento se estarão a surtir o efeito desejado. Penso que poderia
aproveitar-se a capacidade das empresas turístico-marítimas, já existente, para
diversificar o tipo de ofertas, nomeadamente aproveitando o potencial da costa
(algo que a Arméria tem realizado pontualmente e sem intuito comercial). A
Arméria faz parte desde o início do processo que conduziu a que haja neste
momento uma Cogestão da Apanha do Percebe da Reserva Natural das Berlengas
(sendo o primeiro local a implementar isto para uma pescaria). Neste processo,
mariscadores, cientistas e outras entidades de diversas naturezas, públicas e
privadas definem, em conjunto, algumas regras e medidas para uma gestão
sustentável do percebe. Tem-se verificado um maior diálogo entre as várias
partes interessadas, mais conhecimentos científicos e também alguns ganhos para
os mariscadores.
P.
Quais são os projectos de curto/médio prazo da actividade da Arméria?
R.
A Arméria pretende continuar a realizar as iniciativas a que já habituámos os
nossos sócios e a comunidade, nomeadamente a realização de saídas de campo e de
mar (no fundo aulas de educação ambiental ao ar livre) e a realização de
colóquios com algumas personalidades de renome, em parceria com o Rotary Clube
de Peniche. Continuaremos a nossa colaboração igualmente com diversas escolas e
vários níveis de ensino. Este ano iremos participar na bienal do mar (uma
iniciativa municipal) e em 2024 provavelmente teremos um conjunto maior de
eventos para celebrar os 25 anos, mas ainda não está nada planeado (apenas
algumas ideias em mente). Apesar da nossa programação muito atempada, por vezes
surgem convites ou situações inesperadas a que procuramos dar resposta.
P.
Estas conversas normalmente são limitadas por isso há sempre mais qualquer
coisa que ficou por dizer ou que deveria ter sido perguntado, gostaria que para
terminar dissesses algo que ainda não foi referido, inclusive algo de carácter
mais pessoal e que para ti é importante.
R.
Posso referir o facto da história da “sustentabilidade nacional” ter um marco
importante na luta contra a construção da central nuclear em Ferrel. Em breve
será debatido publicamente o novo Plano Director Municipal, este poderá ser um
momento importante para a participação pública e para validar a maturidade da
democracia a nível local. Para terminar posso falar um pouco sobre o meu gosto
pela fotografia, algo que muitas vezes junto com as caminhadas. Tento partilhar
um pouco dessa minha visão do mundo, sobretudo de Peniche, no Facebook.
Acabámos esta conversa/entrevista
com o Jorge Maia, resta-me dizer que como ele partilhamos o gosto pela
fotografia e pela sustentabilidade ambiental e preservação do património
geológico. Um abraço e desejos de sucesso nas actividades empreendidas e
continuação do “bichinho” da Fotografia que vais expressando através do
Facebook.