Esta é mais uma Exposição que o amigo Carlos Santos, carpinteiro Naval, e um amante da arte do cinema, dado o seu vasto espólio de cartazes, Bilhetes antigos até do velho cinemar, alem de outras particularidades referentes ao cinema que ele gosta de partilhar e por isso deixo também um convite a que se puderem se desloquem ao seu local de exposição na carpintaria naval do Bº do Visconde. Junto um filme e fotografias todas integradas para divulgação.
Fotografia, Vídeo, Pintura, Livros, Filmes, Conversas, Documentos, História Local, Património
11/07/2025
Exposição Cinematográfica de Carlos Santos - Carpintaria naval - Bº Visconde - Peniche
15/09/2024
À Conversa com Carlos Santos - Carpinteiro Naval
Este é um formato que vai ser diferente dos anteriores uma vez que a conversa era sobre um tema específico, mais concretamente a exposição de carpintaria Naval que Carlos Santos tem patente no Bº do Visconde até dia 04/10/2024. Por isso resolvemos filmar a conversa e apresentação da exposição e ainda publico algumas fotografias da mesma. Agradeço a vossa visualização porque a memória é necessário preservar.
(Vídeo)Algumas fotografias da exposição:
08/05/2024
À Conversa com João Manuel Neves – Membro da URAP
Conheço o João Manuel Neves (JMN) desde que andando na Universidade Sénior, dava aula de Geografia, disciplina que eu gosto muito e que ele administrava muito bem, ficámos amigos/conhecidos e chegámos a ter longas conversas sobre os mais variados temas, depois da pandemia deixei aquela instituição mas tive pena de no último ano que ele lá esteve com um programa muito diferenciado e de contacto com as realidades locais não acompanhei. Por isso e pelo trabalho que o vi realizar nestes últimos tempos, ligado à Fortaleza de Peniche/Museu nacional Resistência e Liberdade (MNRL), resolvi propor-lhe uma conversa.
P – Pode contar (muito) resumidamente, um pouco do seu percurso ao longo da vida até ao 25 de Abril?
JMN - Nasci em Peniche, na Rua dos Hermínios, numa casa em frente ao actual Auditório Municipal.
Sou de uma família de antifascistas de Peniche, o meu avô paterno, teve um papel importante no apoio e solidariedade aos presos políticos da Fortaleza Peniche e aos seus familiares. O meu pai, foi preso político, tendo estado na prisão de Caxias. Foi detido no estaleiro de construção naval, em Peniche de Cima.
Conclui a 4ª classe em Peniche, na escola velha, e depois fui viver para a Cova da Piedade/Almada.
Comecei a trabalhar com 11 anos de idade, dado que o meu salário era necessário para a subsistência da família. No mundo do trabalho desempenhei várias actividades: Marceneiro, Ourives, Empregado de Comércio, Operário de Construção e Reparação Naval (Sociedade de Reparações de Navios, H. Parry & Son e Lisnave), Funcionário de Partido Político (PCP), Operário da Renault Portuguesa, Animador Cultural e Desportivo, Técnico de Comunicação, Técnico Superior de Planeamento, na Câmara Municipal de Setúbal e Professor do Ensino Secundário.
Actualmente sou Professor-aposentado, Voluntário no MNRL - Museu Nacional Resistência e Liberdade, e do Conselho Directivo da URAP - União dos Resistentes Antifascistas Portugueses.
JMN - Desde muito jovem, 14 anos, envolvi-me de forma organizada, na luta pela Liberdade, pela Democracia, contra a Guerra Colonial, pela Paz, e por melhores condições de vida para o nosso Povo. Empenhei-me em diferentes actividades da Oposição Democrática. Fiz parte da Comissão Nacional Organizadora do 3º Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, em Abril de 1973, tendo discursado na sessão inaugural em representação da juventude. Discursei no 1º de Maio de 1974, na concentração comício realizado em Almada/Cova da Piedade.
Desenvolvi importante actividade cultural nas colectividades de Almada e Cova da Piedade.
JMN - No dia 25 de Abril de 1974 era operário da Lisnave. O dia 25 de Abril é o dia mais importante da minha vida, dado que comecei a ver concretizados muitos dos objectivos pelos quais vinha lutando. O dia 25 de Abril e os restantes dias até ao 1º de Maio, foram vividos de forma muito intensa e entusiástica. No dia 25 de Abril, reunimos alguns elementos da Oposição Democrática de Almada e decidimos: apoiar aos militares, da Escola Prática de Artilharia, que se encontravam no Cristo Rei; fazer um comunicado de apoio ao levantamento militar mas, ao mesmo temo, exigir que fossem concretizados os objectivos pelos quais lutávamos: libertação dos presos políticos, a Liberdade, a Democracia, o fim da Guerra Colonial e a melhoria das condições de vida; marcar uma manifestação para dia 27 de Abril, para começar a exercer a liberdade conquistada; no dia 26 de Abril concentramo-nos frente à prisão de Caxias, exigindo a libertação dos presos políticos; dia 27 de Abril, participamos na manifestação pelas ruas de Almada e Cova da Piedade; dia 30 de Abril, fomos ao aeroporto de Lisboa receber Álvaro Cunhal; participamos na comemoração do 1º de Maio na Cova da Piedade/Almada; Depois, participamos na concretização das grandes transformações económicas, sociais, políticas e culturais, do pós 25 de Abril.
JMN - Fui durante muitos anos professor de Geografia no ensino secundário, tendo leccionado turmas do 7º ao 12º ano, em Setúbal, Viana do Alentejo, Arraiolos, Óbidos e em Peniche. Sempre gostei muito de ensinar. Actualmente tenho dado aulas na Universidade Sénior de Peniche e tenho ido com frequência às escolas falar sobre o 25 de Abril. Integrado na comemoração do 25 de Abril, a URAP realizou 28 sessões em escolas de Peniche.
JMN - Pretendeu-se integrar este Projecto nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, envolvendo a 102FM, o Museu Nacional Resistência e Liberdade, a Câmara Municipal de Peniche, a URAP - União de Resistentes Antifascista Portugueses, contando com o apoio da Mútua dos Pescadores.
O Projecto 50 anos/ 50 história consistiu na recolha/gravação, em áudio e em vídeo, de depoimentos/testemunhos, na 1ª pessoa, de naturais ou residentes em Peniche, em torno do dia 25 de Abril de 1974, relatando as suas vivencias neste período.
Pretendeu-se, também, a recolha/gravação de depoimentos/testemunhos de ex-presos políticos, que estavam na Fortaleza, relatando como viveram o 25 de Abril no interior da prisão e a sua libertação no dia 27 de Abril.
Pretendeu-se ainda, a recolha/gravação de depoimentos/testemunhos de familiares de ex-presos políticos da Fortaleza, sobre como viveram o apoio e a solidariedade da população de Peniche.
O Projecto teve ainda como objectivo, durante 50 semanas, entre Maio de 2023 e Abril de 2024, ser emitido pela 102FM, semanalmente, um testemunho/depoimento.
Pretende-se que as gravações passem a fazer parte dos arquivos da 102FM, do MNRL, da CMP e da URAP, para memória futura.
Infelizmente não foi possível gravar alguns testemunhos, dado que muitos dos participantes activos no 25 de Abril, já não estão entre nós. Por outro lado, com muita pena nossa, não foi possível gravar testemunhos, de pessoas que estão entre nós, por indisponibilidade dos próprios.
JMN - As gravações do projecto 50 anos/50 histórias estão disponíveis no Facebook da 102 FM Rádio, e podem ser ouvidas. Algumas das gravações tem milhares de visualizações, como podem ser verificadas.
https://www.facebook.com/watch/107254012643648/617484453648517
O Roteiro da Resistência e Solidariedade é uma parceria entre a URAP e do MNRL, que procura valorizar o contributo de Peniche no apoio e solidariedade para com os presos políticos da Fortaleza de Peniche e seus familiares. No Roteiro estão, neste momento, identificados 51 locais de Resistência, Repressão e Solidariedade, sendo apenas dois fora de Peniche, o posto da Polícia de Viação e Trânsito, em Porto de Lobos e a colónia de férias, para os filhos dos presos políticos, na Ilha do Baleal. Numa parceria da URAP com a Junta de Freguesia de Peniche, estão a ser colocadas placas identificadoras de alguns destes locais.
Em 2023, a URAP, realizou 54 visitas ao Roteiro, com 1645 participantes, quer de Peniche, quer de fora de Peniche, particularmente de escolas de todo o país.
Em 2024, até à abertura do Museu, realizámos 18 visitas, com 925 participantes.
P – Quer acrescentar mais alguma coisa? É sabido que falta sempre qualquer coisa nestas conversas/entrevistas e algumas são importantes ser referidas.
JMN - A luta antifascista não é um problema do passado, mas do presente. Assistimos constantemente ao branqueamento do fascismo e ao apagar da importância da luta da Resistência pela Liberdade e pela Democracia e à subida de forças de extrema-direita, de ideias xenófobas e racistas. Cabe aos democratas e aos antifascistas transmitir com verdade e rigor, sobretudo às novas gerações, o que custou a conquista da liberdade, o que significou o regime fascista e valorizar a luta pela democracia, pela liberdade e pela Paz.
08/03/2024
À Conversa com... Maria Gertrudes - uma mulher do povo
Preâmbulo/Declaração de interesses – Esta conversa foi
gravada digitalmente em 2018 com a minha mãe, na altura com 90 anos de idade e na
posse das suas perfeitas faculdades mentais, nomeadamente a sua memória
fascinante. Hoje, a minha mãe ainda está viva, felizmente, agora com 95 anos, e
resolvi passar a escrito parte dessa conversa, que incide fundamentalmente sobre
as agruras de vida desde a sua infância.
“Chamo-me Maria Gertrudes Vieira
(MGV), nasci em Peniche de Cima e vivi no Forte da Luz até que a minha sogra me
chamou para viver com ela e o meu marido. Nunca aprendi a ler nem a escrever,
que foi sempre um desgosto para mim, mas nunca foi impeditivo de saber fazer
contas. Tenho uma história de vida muito difícil, mas sempre duma mulher
lutadora.”
Mãe, conte-me um pouco da sua história
de vida desde o princípio, aquilo de que se lembra.
MGV – Fui para o Forte da
Luz morar tinha 8 anos de idade, lá fui criada com os meus irmãos. Fui mais
criada no Quebrado do que em casa, com muita amargura, muita fome que passava,
eu e os meus irmãos. Depois, fui crescendo e quando tinha 9 anos chamaram-me
para ir servir. A casa para onde fui servir era rica, mas passava muita fome. O
que é que eu faço? Volto para casa e digo à minha mãe que já não quero ir servir
para aquela casa. Depois, apareceu outra que negociava peixe-seco, morava nos Quatro Cantos, tínhamos que ir com
aquelas caixas muito grandes para o Alto da Vela secar o peixe, púnhamos ao sol,
depois à tardinha tínhamos de ir recolher e acartar. Levei uma vida muito
amargurada, ainda era uma criança. Depois, com saudades dos meus irmãos, voltei
para casa.
Não tinha tempo para brincar?
MGV – Não, nunca tive
tempo para brincar, as minhas brincadeiras eram só no Quebrado, mas a minha mãe
começava logo a gritar por mim, para ir fazer isto e aquilo e vinha logo
corrida.
Mas, entretanto, começou a
trabalhar na fábrica do peixe…
MGV – Comecei a trabalhar
na fábrica do peixe com 13 anos, mas durou pouco tempo. Tinha uns 13/14 anos,
cheguei a casa da minha mãe e disse que queria ir para a fábrica. Fui para a fábrica
do Algarve Exportador, ganhava sete tostões à hora, mas aquele dinheiro não
rendia nada, passava fome à mesma. Então, disse à minha mãe que queria ir
vender peixe com ela, lá me comprou uma canastra mais pequena e fui com ela
para a venda do peixe, Íamos naquele rancho de seis ou sete mulheres pela
estrada fora, eu era a mais pequenina delas todas, chegávamos a um sítio em que
nos separávamos e cada qual ia para o seu lugar de venda nos diversos casais e
aldeias. Depois, juntávamos todas no mesmo sítio e lá vínhamos para casa (cheguei
a andar a pedir à noite, ia às casas mais ricas e davam sempre qualquer coisa
até me chegavam a dar um prato de sopa).
Quando chegava da venda, uma vez
tinha o senhor Joaquim Bilhau à minha espera, para ir trabalhar à noite nos
armazéns que ele tinha à entrada de Peniche de Cima, com tinas de peixe para
escalar e para salgar, para tratar do peixe até às 10 horas da noite, e assim
foi continuando, ele era uma pessoa muito bondosa e gostava muito de mim, nesta
altura tinha uns 14 anos. De resto, lavava roupas para fora, caiava as casas
durante parte do dia, lavava as roupas casas sempre em casa de pessoas com mais
posses.
O tempo passou e foi
crescendo, até que já ia sozinha para a venda do peixe. A que horas é que ia
para a ribeira para o peixe?
MGV – Eu ia logo à uma
hora da madrugada à espera dos barcos com peixe, chicharro principalmente. Depois,
trazia o latão carregado, lavava o peixe na bica de Peniche de Cima, ia para o
Forte da Luz que era onde morava com a minha mãe, pai e irmãos, e pelas três da
madrugada ia a caminho de S. Bartolomeu dos Galegos com o latão à cabeça, descalça.
Juntávamos um rancho de cinco ou seis e cada uma ia para o seu destino, íamos
sempre juntas até um certo sítio, normalmente era o Alto do Veríssimo, numa
zona de pinhal. Depois, separávamos, umas para o Toxofal de Cima, Toxofal de
Baixo, etc. e, à vinda para cá, juntávamos e vínhamos todas juntas. Se alguma
se atrasava, as outras espetavam uma cana na terra para avisar que já tinham
partido. Acontecia muito comigo, porque eu vinha de mais longe e ficava muito
triste quando chegava e via a cana espetada, então tinha de vir sozinha para
Peniche. Cheguei a ter os pés quase em sangue, lavava os pés com vinagre porque
estavam tão gastos que a pele era muito fina e quase em sangue. Sempre andei
descalça, só calcei sapatos dos 20 anos em diante. Depois, como já tinha dito,
dado que a fábrica não dava nada, continuei a vender peixe com o latão à cabeça,
a pé, descalça pelas estradas fora, inclusive com o meu filho na barriga até
que o tive com 21 anos.
Fui trabalhar a dias quando era preciso, nunca parava, nem me deixavam
estar parada, todas queriam que eu fosse trabalhar para elas, ia lavar roupa
para os pocinhos, depois ia lá uma rapariga com o meu filho para lhe dar mama,
a minha vida foi sempre uma vida de escravidão.
Depois que o tempo passou já ia
para a Usseira na camioneta, e quando tínhamos de ir para o Sobral da Lagoa,
tínhamos de subir à camioneta para pormos o carrego lá em cima. Subíamos as
escadas com o latão e púnhamos o peixe lá em cima, naquele tempo era assim, era
a camioneta do José Henriques. Primeiro, comecei de Peniche a pé até S.
Bartolomeu dos Galegos e para cá a pé também, depois mais tarde é que foi na
carreira das 10h30, já o meu filho era vivo. Fui para a Usseira, depois Sobral
da Lagoa, que tinha uma ladeira íngreme a subir com o latão à cabeça cheio de
peixe e com uma ceira para a ajuda das despesas. Depois, quando vinha para
baixo, ainda trazia roupa para lavar no rio cá em baixo debaixo da ponte, era a
roupa do meu filho, porque eu estava em casa da minha sogra e ela coitadinha
não podia, até que vinha para Peniche na camioneta das 6h30 da tarde. Foi
sempre uma vida muito difícil.
Até que, quando o meu filho
estava em idade de ir para a escola, o meu marido me retirou da venda do peixe
para eu estar mais em casa a tratar dele, mas depois não podia parar, pois
tinha de ganhar algum dinheiro e comecei a fazer rendas de Peniche até às 2 e 3
horas da madrugada, à luz do candeeiro, na casa da minha sogra que era onde eu
estava.
Dessas pessoas todas que iam a
pé vender o peixe aos casais quais estão vivas neste momento?
MGV – Desse tempo, das que
iam vender o peixe a pé para os casais, só quem está viva sou eu e a tia Olívia.
Há uma altura em que foi
trabalhar para a Unipeixe, com que idade?
MGV – Foi quando a
Unipeixe abriu, tinha eu uns 40 anos. Mais tarde, adoeci do coração e
reformei-me por doença, mas não me sentia bem parada e fui para o negócio da
renda. Vinha uma senhora de Portalegre buscar as rendas que eu ia comprando e
nunca houve problemas, até que umas deixaram de trabalhar devido à idade, e já
não compensava a senhora vir de Portalegre buscar poucas rendas. Depois deixei tudo,
ainda fui fazendo umas rendas para os netos, até a saúde o permitir. Depois já
nem à renda podia estar, por causa das dores das costas e arrumei a almofada
dos bilros para sempre.
Tenho 90 anos tive sempre uma vida de trabalho
duro e amargurado, mas valeu a pena. Tenho três netos e cinco bisnetos e nunca
houve problemas com o meu filho e nora, agora cá estou à espera da “carta de chamada”.
07/12/2023
À Conversa com ... Ana maria Ribeiro
Meu nome, Ana Maria do Carmo Camacho Ribeiro, sou natural da Cidade de Peniche, onde resido. Estudei na Escola Secundária em Peniche, tendo como habilitação Académica o 12ºano. Foi também nesta Escola que realizei a minha carreira Profissional, na Secretaria como Funcionária Administrativa. Gosto de ler e escrever, escrita que venho desenvolvendo na área da Poesia com maior profundidade desde 1996, até à presente data.
P. - Neste momento da tua vida sei que fazes voluntariado, tens enorme sensibilidade social, para abrir gostava que dissesses mais sobre esta tua actividade e outras que aches relevante.
A.M.R. – Sim, estou ligada à Catequese da Paróquia, onde tenho trabalhado em regime de voluntariado, desde 2010. O meu trabalho consiste no lado mais prático da Catequese, supervisionar matrículas online, inserção de dados, organização de outros aspetos como as Festas durante o Ano Pastoral e inserção desse registo no computador. Faço também a parte manual da escritura dos Livros de Registo. A par deste trabalho tenho sido também Catequista tendo a responsabilidade de um grupo em cada Ano Pastoral.
P. – Por certo gostas de ler, para além da poesia que penso ser a tua prioritária, qual o género de leitura de que mais gostas e se és uma leitora assídua.
A.M.R. – Ao longo da minha vida sempre me lembro de ler. No tempo de Escola os Livros obrigatórios, a par dos que me davam gosto ler e que lia até à exaustão. Assim passaram por mim Eça de Queiroz, Florbela Espanca, António Gedeão, Fernando Pessoa, Júlio Diniz, e tantos mais. Li também Simone Beauvoir, Pearl Buck, Leão Tolstoi, Sinclair Lewis, John Stemberg, Charlotte Bronte, Stefan Zweig, Jane Austen e tantos mais. Penso que a leitura para além de conhecimento me facilitou a escrita. Iniciei o meu gosto pela Poesia quando no verão de 1973, me veio parar às mãos os sonetos de Florbela Espanca. Foi o início de uma longa viagem que faço até hoje.
P. – Iniciando propriamente aquilo que nos trás aqui, gostava que referisses quando começaste a escrever poesia e porquê?
A.M.R. – Houve na verdade uma grande empatia com a escrita poética de Florbela que me levou a um nível que eu desconhecia ter. Gostei sempre de ler que iniciei muito cedo, com pequenos poemas, sonetos, que creio todos os adolescentes e jovens tentam escrever. Comecei a escrever, sem saber que o sabia fazer, em 1996 quando na minha Escola abriu um concurso interno, dirigido a toda a Comunidade Escolar, o “POETA DA SEMANA”. Havia um vencedor semanal durante todo o ano lectivo e eu ganhei no meu escalão durante 10 anos. Esse facto levou-me a compreender que sabia escrever Poesia.
P. – Quando escreves um poema, onde te inspiras, em que te baseias, quais os motivos mais fortes “que mexem mais contigo” e que te fazem passar a papel os teus pensamentos?
A.M.R. – Eu considero que a “Inspiração”, não é algo técnico, palpável, que possamos agarrar, mas sim algo abstracto, de certa forma irreal, que surge do nada, ou de uma palavra que se ouviu, de uma frase que se leu, de um acontecimento, de uma flor que se encontra no caminho, de uma pedra esquecida no chão que não fala e de repente chama a atenção. Eu diria que em poesia, tudo é permitido. Eu diria que também me inspiro nos grandes acontecimentos que não podem passar ao lado – A Revolução de Abril que nos levou à Liberdade, os dias Mundiais…de tanta coisa, cada uma com a sua importância. Tudo é importante passar numa folha branca que apenas espera ser escrita.
P. – Tenho reparado que nos excelentes poemas que nos apresentas, tens uma visão transversal de inspiração, ou seja, vais dos temas com alguma religiosidade a temas sociais, a temas onde o amor é preponderante, mas sempre com uma qualidade que considero muito boa, apesar de não ser (nem pretender) ser crítico literário. Queres desenvolver?
A.M.R. – Todas as coisas têm o seu lado poético, assim, tudo pertence à poesia. O tema “livre” dá aso a explanar os sentimentos, as ideias e melhor os desenvolver. - Gosto de escrever sobre o mar, não poderia deixar de o fazer numa terra de mar. Costuma dizer-se que “NUMA TERRA DE MAR O MAR NOS CHAMA”. Este é um tema que nos transcende, nos leva até ao infinito. - Gosto de escrever sobre as coisas simples do dia a dia, a manhã que se abre em risos de alegria, a noite que chora nos braços do mar, a lua que deixa o seu beijo na praia. - Gosto de escrever sobre o Fado, a sua tristeza, a sua história, onde não faltam os amores desencontrados ao toque de uma guitarra. - Gosto de escrever também sobre os valores religiosos que me foram transmitidos pelos meus pais e que a Catequese me ajudou a compreender melhor, essa parte tão sublime de ter Deus ali mesmo em todo o lado em toda a Sua Obra e ao mesmo tempo no coração. - Escrever sobre a Festa tão bonita de Nossa Senhora da Boa Viagem, sobre o Santuário dos Remédios, a Festa dos Círios onde humildemente se depõe as mágoas e a alegria num agradecimento a Nossa Senhora, e até sobre o Cruzeiro imponente junto ao mar, a Nau dos Corvos rodeada de espuma, vestida de branco e azul.
P. – Há uma pergunta que tem de ser colocada, escreves com algum objectivo, ou porque sim? Dito de outra forma, não tendo ainda nenhum livro publicado, gostarias de publicar um livro de poemas? E se (por acaso) não conseguisses publicar, continuarias a escrever, independentemente de quem lê, mas que essa escrita fosse uma forma de auto satisfação?
A.M.R. – Nunca escrevi tendo como objectivo a finalidade de ser intelectual, conhecida, admirada. Não sei como escrevem tantas pessoas que conheço, mas eu escrevo porque há uma palavra que surgiu do nada e pede para ser escrita. - Escrevo – porque alguém deu uma gargalhada e pede para ficar na história dos dias. - Escrevo – porque para mim, escrever é como rezar. - Escrevo – porque é como encontrar na vida a perfeição. - Escrevo – porque a chuva caíu e dança pelo chão. - Escrevo – porque há uma folha em branco, imaculada que pede para ser escrita. -Escrevo…escrevo…escrevo… Publicar um livro nunca foi para mim uma prioridade, mesmo que não publique um livro eu irei sempre escrever, porque todos os dias é uma aventura, um dia novo que nos traz a sua luz em poesia. Mas sim, um dia publicarei o meu livro de poesia. “Auto – Satisfação” Penso que não. A escrita para mim, está ali mesmo, ao virar da esquina, no caminho por onde vou, nas vozes e nos risos que passam por mim e que não posso ignorar. A poesia para mim é isso mesmo, está ali mesmo, é só ir busca-la.
P. - Se te pedisse agora para fazeres um pequeno verso ou poema a tua veia poética produziria algo assim, de um momento para outro?
A.M.R. – Em 2011 quando abri conta no Facebook comecei por escrever versos e os meus poemas nas partilhas que via de outras pessoas. A pouco e pouco fui escrevendo “na hora”, as frases e versos que escrevo nas partilhas.
Apenas olho a imagem e escrevo o adequado à imagem.
Aprendi a ter uma certa facilidade em encontrar as palavras a escrever.
Como pedes, escrevi este pequeno apontamento:
Nunca pensei Aceder a uma entrevista
Só porque escrevo poesia.
Escrever,
É para mim tão natural,
Como é natural A luz do dia.
P. – Vamos terminar esta pequena conversa, acerca da tua “veia poética” que me tem sensibilizado há muito, quero agradecer a tua disponibilidade mas quero referir os meus sinceros desejos de que finalmente um dia, não muito longínquo, venhas a concretizar esse desejo legítimo de teres um Livro publicado. Também referir que nestas conversas, fica sempre algo por perguntar, gostava por isso que se quisesses acrescentar algo que seja relevante para ti o fizesses e explanasses o que achares por bem. Despeço-me com um até breve Ana.
Só quero agradecer a tua disponibilidade.
Talvez tivesse ficado muito por dizer, mas é a primeira vez que falo sobre este assunto.
Um dia, sim, publicarei o meu Livro. Obrigada Francisco
07/11/2023
À Conversa com ... Noel Petinga Leopoldo
Hoje vamos ter uma pequena conversa com o Noel Leopoldo (N. L.), meu vizinho, e ambos da mesma “aldeia”, Peniche de Cima. Conheço-o desde sempre, porque há alguma diferença de idades. Interessa-me particularmente, para além de outras actividades que ele queira mencionar, o seu gosto pela escrita, esta é uma conversa/entrevista sem filtro, onde o entrevistado tem liberdade de expressão, que é um principio básico deste Blogue .
P. - Gostaria que desenvolvesses a tua actividade como professor e outras temáticas que queiras introduzir na conversa.
N. L. – Comecei a dar aulas (estágio) no ano lectivo de 95-96, depois de quatro anos de licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas, Português-Inglês, e um ano de aprendizagem de pedagogia, tudo pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Nunca pensei ser professor. Comecei por ser 'empurrado', porque queria começar a ganhar dinheiro (o ordenado não era nada mau, na altura, para um miúdo sem encargos familiares), e porque um provinciano sem nome não pode chegar a certas esferas de actividade sem as nossas 'cunhas' à portuguesa. Mas, confesso, achei piada desde o primeiro momento. Ainda hoje acho que é uma das melhores profissões do mundo se os alunos quiserem aprender. Quando temos miúdos interessados e educados, somos felizes profissionalmente. Por outro lado, queria continuar a usar a língua inglesa, pela qual desenvolvi uma paixão imediata, ou mesmo desde uma 'lição' do meu tio, antes de eu ter iniciado sequer a aprendizagem da língua, no 5.º ano. Sempre senti que a língua inglesa me abriria portas, culturalmente falando. A vida confirmou-mo. Sempre apreciei a cultura anglo-americana relativamente a outras.
P. – Quando
é que te começou a suscitar o interesse pela escrita? Quais são os
temas que gostas de tratar? A tua inspiração está ligada à terra, ou não? De que autores gostas particularmente?
N. L. – Sempre gostei de escrever, mas só em contexto escolar. As minhas aulas preferidas eram aquelas em que fazíamos composições. Em casa não escrevia. Lia muito, mas quase só BD e enciclopédias. Havia poucos romances lá em casa; os que havia não me interessavam. Não tinha maturidade para aquilo. Foi na adolescência que comecei a tentar escrever, por causa de cantautores de que muito gostava (e ainda gosto) como o Bob Dylan, o Bruce Springsteen, mais tarde o Shane McGowen dos Pogues e o Van Morrison. Mas eram coisas sem qualidade, sem vida, sem maturidade. Durante aqueles seis anos em Lisboa fui frequentador bastante assíduo da Cinemateca, e foi por causa do cinema e das notas dos filmes assinadas pelo João Bénard da Costa, o então Director daquela catedral de cinema, que comecei a fazer apontamentos com impressões vagas e poéticas sobre filmes vistos. Surgiam-me às vezes imagens, frases, coisas muito distantes, mas eu recusava-me a registá-las como poesia. Penso que tinha medo. Achava que era como ter um diário; que estaria a revelar-me; que era uma coisa meio-feminina. Parvoíce (risos)! Mas faltava-me vida ainda. Mesmo quando, aos 25, me apaixonei pela poesia, continuei a não querer fixar nada em texto. Foi preciso sofrer de uma aguda 'crise dos 40' (risos), com as bagunçadas que estas crises dão, para me surgir o primeiro poema. Ainda assim, precisei de três anos para escrever um segundo e continuar a escrever com regularidade. Deixei-os na memória do computador e, muito tempo depois, ao verificar que não me envergonhava de os ter escrito, lancei o livro de estreia, em edição de autor. Os autores que mais me fascinaram nesses primeiros anos (e que continuam a dar-me muito gozo) foram o Alexandre O'Neill, o Ruy Belo, o Eugénio de Andrade, a Sophia, o Jorge de Sena, o Manuel da Fonseca. Daí para cá tenho conhecido muitos outros, pelo que a lista seria demasiado longa.
P. – Gostava que falasses dos livros já publicados, que os enumerasses, das experiências que tiveste com os mesmos, e de saber se é possível/fácil ser escritor neste país, particularmente numa terra como Peniche.
N. L. – Já publiquei três livros
de poesia e um de prosa (micro-contos). De poesia tenho "Na Corda
Bamba" (o primeiro); seguidamente, "De Volta ao Silêncio Azul",
e o último: "Instantes". Todos em edição de autor. Penso que escrevo
sempre sobre os mesmos temas: o amor; a sensualidade do corpo da mulher; a fuga
à miséria da vida vulgar, quotidiana; a fugacidade da vida; uma visão crítica e
ácida da sociedade e do destino do Homem; as memórias de familiares e amigos
desaparecidos. Muitas vezes procuro a temática amorosa e o humor no que
escrevo. Às vezes junto os dois (risos).
Peniche é, por vezes, uma fonte de inspiração. Sempre tive muito gosto em 'viajar' por Peniche. Ainda o faço. Aquela faixa que vai da zona do restaurante "O Texugo" até à praia da Gamboa é o meu território espiritual, se não me levares a mal o toque aparentemente pretensioso. Sinto-me em casa na Papoa. Penso que Peniche merecia ter outras pessoas como habitantes: gente que venerasse esta natureza maravilhosa. Acontece isso genuinamente em Espanha, no norte, pelo menos; nas Irlandas... Aqui, o que é que temos? Gente que permite a urbanização do Quebrado! Um atentado, porque tapou a vista de mar de quem desce a marginal até aos Portões. O que é que temos? Uma terra que foi feliz com uma sala de cinema como o Cinemar, que morreu às mãos da especulação imobiliária. As pessoas não têm a noção disto, mas Peniche também morreu naquele dia das chamas criminosas. Andas por Peniche, e o que vês? Drogados a cair de podres, alucinados, subsidiados...miúdos sem um norte, sem ambição; e, por outro lado, novos-ricos e funcionários públicos com as cabeças enterradas na areia. Os alunos de excelência nunca mais voltam a Peniche. Pelo menos os que poderiam contribuir para o progresso de Peniche. Isto está feito para reter os medíocres e rejeitar os excelentes. É uma coisa perversa. É um mal para o qual não vejo solução. Não será a onda de Super tubos. Junta a isto autarcas que só vêem carnavais e canídeos à frente. Não há, nem haverá, uma elite cultural que ponha a terra para cima. E os 'maus' são 'más-línguas' como eu e outros. Não os autarcas que só pensam em comer melhor e não têm qualquer rumo para coisa alguma senão o restaurante do costume. Esses são a fina-flor da virtude. Resumindo: Peniche inspira-me, mas só nos aspectos naturais. Como dizia um amigo a pessoas que queriam conhecer Peniche: 'Entram pelos Portões; seguem em frente com o mar à direita, saem, e ficarão a ver aquilo que realmente interessa.' O amor a Peniche fez-me ler, quase na íntegra, quando tinha uns 9 ou 10 anos, o nosso "Peniche na História e na Lenda". O Poder esquece as pessoas. A propósito, o próprio Monsenhor Bastos, que teve um profundo amor pela terra, e que contribuiu inequivocamente para o seu progresso, só não é esquecido porque distribuiu empregos a uma larga fatia da população, que, muito justamente, lhe está agradecida e por isso o recorda (risos).
Deixando a política, e voltando aos livros, se eu
escrevesse para obter reconhecimento, louros e recompensas, seria um frustrado.
Em Lisboa há um núcleo restrito de autores, como no Porto. Há escribas da nossa
praça que andam na carga de ombro e nas lutas de galos, entre eles, para serem
os autores escolhidos. Escolhidos para o esquecimento (risos). Quem se lembrará
deles? Tolos! Uns, terão valor, outros, nem por isso. Se não andas nessas
lutas, se és um caso isolado e provinciano, esquece; nunca irão reconhecer-te.
Não fazes por entrar nesse círculo à força e, por isso, ficas sempre do lado de
fora. Vou ficar de fora, mas será sem nódoas negras (risos).
Um tipo que escreve poesia, e que tem coluna no Público, respondeu-me há uns anos a um e-mail, dizendo que a minha poesia era tão boa ou melhor do que muitas coisas dos novíssimos poetas que são publicados em editoras pequenas, mas já com algum prestígio. Isto em relação ao meu primeiro livro, que era, vejo-o claramente, bastante 'verde'. Tenho a consciência tranquila, porque mostrei a minha poesia a pessoas que poderiam abrir-me portas. Elas não foram abertas, acredito, não pela falta de qualidade do que escrevo, mas porque sou de um país com apenas quinhentos leitores assíduos de poesia. Os lugares para 'poeta registado com selo de garantia' já estão ocupados (risos). Escrevo para mim, para as amigas a quem dedico poemas (risos) e para as dez ou vinte pessoas que me lêem. Em Peniche, ninguém me conhece como poeta. Primeiro, porque só há meia dúzia de pessoas que lêem poesia. Segundo, porque, por pura estupidez, as pessoas pensam: 'Não vou ler a poesia de um tipo que conheço de ginjeira, e que, ainda por cima, não tem nome.' Já viste o que seria se apenas os Beatles, os Einstein e os Messi pudessem fazer música, ciência ou jogar futebol? Tenho imenso gosto em ser surpreendido pela poesia de novatos como eu, ou ainda mais do que eu. Não preciso, nem na música, nem na literatura, nem no cinema, que alguém me diga "Isto é bom" para que eu reconheça o seu valor. Como se alguém apenas tivesse interesse em sair com uma mulher se esta fosse elogiada por um crítico prestigiado de moda (risos)! A nova Marilyn pode ser a nossa vizinha do lado, que só as pessoas do bairro conhecem (risos). Ainda relativamente à dificuldade de se ser autor de Peniche, e tendo em conta aspectos mais institucionais, gostava de acrescentar que há, da parte dos executivos camarários dos últimos anos, um total desprezo por tudo o que cheira a cultura erudita: cinema, música, literatura. Curioso, porque estamos a falar de presidentes, ex-PCP ou independentes próximos do PCP, quando todos reconhecemos a importância das câmaras PC na promoção da cultura em muitos municípios deste país. Em Peniche temos presidentes que afirmam arrogantemente que a erudição é elitista (risos). Nem o Salazar se lembrou dessa (risos)! Carnaval e circo para o povo! Esta gente nem sabe que as peças do Shakespeare e a ópera italiana eram frequentadas por maltrapilhos de dentes podres e bafo de gin e vinho rascas (risos)! Esta gente desconfia e teme aquilo que não entende e que, por isso, não pode controlar.
P. – Para quando o próximo livro? Podes abrir um pouco a cortina?
N. L. – Faz dez anos que comecei a escrever poesia com bastante regularidade. O primeiro poema aconteceu-me aos 40 anos. O primeiro que não me envergonha (risos). Para o ano vou lançar, na minha editora (risos), a Flamingo Janota, um livro que compilará estes 10 anos. Nele estarão os três livros de poesia e os poemas inéditos, que resolvi incluir nesse livro, não num volume em separado. Depois, não sei se voltarei a publicar poesia. Continuarei a escrever, porque sinto necessidade de o fazer, mas poderei não voltar a publicar.
P.
– Nestas
conversas há sempre algo que nos esquecemos de perguntar. Haverá alguma coisa
que queiras acrescentar, mesmo que não verse este tema particularmente, mas que te diga
algo importante para ti?
N.
L. – Não, Francisco,
já disse tudo o que tinha a dizer (risos). Obrigado por me abrires a porta do
teu blogue. Continua com este teu trabalho tão meritório... Mas, por acaso,
houve uma coisa de que me recordei durante a entrevista. Tu fazes-me recordar o
ambiente fantástico do Café Moderno dos anos 70. Um café cheio de gente com
fervores ideológicos e com discussões muito válidas. Pessoas da direita à
esquerda. Comparado com os actuais cafés de bairro, aquele era um ambiente
intelectual, pode dizer-se. Lembro-me de que era muito frequentado por jovens
licenciados de medicina, por Coimbra, que estavam ávidos de saber como era a
vida dos pescadores (risos). Complexos de classe (risos). Os cafés de bairro
evidenciam bem a perda de nível intelectual da população de Peniche. Isso faz
de ti um fóssil, no bom sentido da palavra, porque tens sabido manter-te igual:
um cidadão interessado por aquilo que o rodeia. Obrigado!
17/08/2023
À Conversa com… Alberto Cruz, Pescador
Hoje vamos conversar com o Alberto Cruz (A.C.), um amigo de longa data que há muito nos conhecemos, morava no Fialho e eu em Peniche de Cima, gostaria que contasses o essencial da tua escolaridade até ires para o outro lado do mundo.
A.C. - Quando era miúdo fui para a escola da Maria Mechas assim como tu, depois fiz a escolaridade obrigatória e fui para um armazém de redes trabalhar, o barco era a Vanguarda, depois fui para a Escola de Pesca no primeiro ano que esta escola abriu em Peniche, onde estive dois anos, saí e fui trabalhar novamente para um armazém e depois fui para a Escola de Pesca para Lisboa, onde estive perto de um ano, depois embarquei para o bacalhau com apenas 16 anos, foram seis longos meses de viagem, durante a qual fui muito mal tratado, ao segundo dia comecei a ser maltratado pelo capitão e assim foi a viagem inteira, de tal modo que uma vez levei um pontapé que até uma unha saltou fora, era o capitão Fernandes, a alcunha dele era o “mata cães”, e tinha um Imediato que era Nazareno, que era o Sr, José Anastácio que ainda era pior que o capitão, ele fez-me coisas a mim e vi fazer a homens pais de família que era horroroso, tínhamos meio litro de água por dia para tomar banho e para beber, então juntávamos a água de cinco, fazia 2,5 litros e dava para lavar o pescoço a todos e enfim o mais essencial, até que ao fim de quatro meses de viagem tomei o primeiro banho.
No dia 6 de Setembro de 1965, naufragámos, o navio começou a arder, chamava-se “António Coutinho” fomos para o pé de um navio que se chamava “S. Gabriel” este navio mandou o pessoal ir salvar a roupa porque o navio não estava em perigo eminente, mas nesta altura em Setembro na Gronelândia já eram muitas horas de noite durante o dia e quando fomos salvar a roupa começou a cair a noite e muito vento, quando cheguei ao navio que se estava a afundar, amarrei o bote à borda para ir buscar a roupa e quando fui para o bote estava este no fundo, depois saltei para outro que só tinha um remo, tive que ir ao “ginga” claro, ainda hoje estou para saber como é que fui buscar forças para só com um remo e debaixo de tempo, consegui chegar ao navio, eu um miúdo com 16 anos, vinha mais um colega, éramos dois garotos no bote em busca da salvação, lá chegámos ao navio, meteram-nos para dentro, quando estávamos a sair do navio ninguém pode passar pela passarela, estavam Capitão e Imediato com uma pistola cada um e fomos obrigado a saltar para o poço e só depois saltar para os botes, tal não era a qualidade daqueles homens, de tal modo que quando já estávamos no “S. Gabriel”, e estávamos a ver o navio arder e ir para o fundo, alguém disse, ele é tão bom que até apontou uma pistola à companha, o capitão do S. Gabriel ouviu e disse “isso é verdade Fernandes? é, está aqui, e mostrou a pistola”.
Depois fomos distribuídos por outros navios, a mim calhou-me ir para o “Capitão José Vilarinho” depois passados uma semana chegámos a St John e depois mais uma semana embarcámos rumo a Lisboa de avião, cuja duração foram dois dias, devido às escalas a última das quais em Londres, sem comer e sem dormir, chegámos a Lisboa perto das cinco da manhã, não havia ninguém à nossa espera, lá fomos a pé para a Rua dos bacalhoeiros, que era onde estava o escritório, andámos a dormir nas tabernas e quando já não cabia mais ninguém dormíamos no passeio, onde as pessoas tinham de passar por cima de nós para seguirem, eram mais de 60 homens naquelas condições, à espera que o escritório abrisse que aconteceu às 11 h da manhã, e só nos deram o dinheiro para a passagem de camioneta para as nossas terras, só mais tarde é que nos deram o dinheiro do trabalho e da roupa dada como perdida. Depois fui para outro navio o “Capitão Ferreira” e lá andei mais quatro anos, e depois fui para a Marinha, todas as vezes que chegava a casa a minha mãe abraçava-me, beijava-me, mas depois vinha o Abril novamente e recomeçava aquela vida. portanto era sair do Lugre e ir para o Doris que com bom tempo eram umas 12 horas de pesca no mar, sozinho, quando tínhamos o bote cheio ponhamos um sinal e iam aliviar o bote para nós continuarmos até ao fim do dia, mas as contas do peixe apanhado nunca batiam certo, havia sempre “roubalheira”, estávamos tão cansados que suspirávamos por um dia de brisa para descansarmos um pouco, assim se levava uma viagem inteira nisto, maus tratos, fome, muita fome.
Quando passou quatro anos, fiz a vontade à minha Santa Mãe e fui para a Marinha.
Ao pensar no que fiz ao ir para o bacalhau, não sei se fiz bem se fiz mal, talvez preferisse a tropa e mesmo que fosse para o Ultramar, não sei, eu vi um homem da Póvoa que se chamava David, dizia que estava doente, mas que diziam no Gil Eanes que não encontravam nada, era obrigado a ir para a proa, ora aquilo quando estava a cair neve, formava gelo e ele sem poder olhar para trás, quando o frio e o sono vinham, a cabeça do homem pendia, então o Imediato quando nós estávamos a cortar a isca que usávamos uma luva só com um dedo, pedia uma luva toda ensanguentada, chegava ao pé do homem e esfregava-lhe a luva na cara gelada com neve e gelo para ele acordar, são estas coisas que por vezes as pessoas podem não acreditar como era aquela vida.
Já agora e isto das memórias vêm aos poucos, conto mais dois episódios, na primeira viagem, tenho tanta coisa para dizer da primeira viagem, mas as memórias vêm aos poucos, no segundo navio que andei tive a sorte de não ficar lá no último dia de pesca, está aí um rapaz que viu, que quando vínhamos da Gronelândia para a Terra Nova, quando começava a fazer noite era quando arrancávamos para a Terra Nova, até Outubro, até carregar o navio, há um dia que arriámos e fomos para um mar em que eu podia estar a pescar num sítio e não estar a apanhar nada e a pouca distancia de mim estar outro que enchia de peixe, então eu e o outro içámos a vela e vamos a caminho do navio, nisto começa de cair um tempo tão mau (lá era de repente) o navio a apitar constantemente a chamar o pessoal que estava no mar, nisto a vela do Dóri que estava ao pé de mim partiu-se, eu passo-lhe a minha vela para ele, e viria a reboque dele, a minha vela também se rasgou e agora toca de remar os dois botes, nós para remar era um pouco atravessado, para ver se chegava ao navio, um vez que o navio estava a meio dos botes todos, nisto vem uma volta de mar que bate no bote e este foi pelo ar, assim este colega de Peniche que se chama Lino, viu aquilo e disse, aquele já está, mal sabia ele que era eu, o bote não virou caiu de lado, enterrou-se debaixo de água, o mar levou tudo, então foi a tirar água enquanto as forças davam, até que a baleeira chegou ao pé de nós e nos recolheu, desisti mais do bacalhau para fazer a vontade à minha mãe, mas esse dia foi de tal maneira marcante que vi a morte tão próxima que ajudou à minha saída do bacalhau. Na viagem de regresso (eu fazia leme, ganhava mais 500 escudos, nas viagens para leste e oeste ou noroeste, no pesqueiro o pessoal das máquinas é que tomavam conta do leme, para nós descansarmos) eu calhava ao “quarto” do Imediato, na viagem, já dos Açores para dentro, vínhamos a navegar e entra o Capitão na ponte, e eu disse, Sr. Capitão quando chegarmos a terra, eu quero a minha dispensa, quero sair, naquele tempo era assim, se o pescador era bom eles nunca deixavam sair, se o pescador fosse refilão ou outra coisa eles deixavam e não queriam saber, então quando o capitão perguntou e para onde é que vais, eu caí na patetice a dizer que ia para outro navio, ele disse, então não sais daqui, se eu dissesse que ia para o arrasto ele deixava-me ir, mas ao dizer aquilo como ia para outro navio da linha, não deixou, por coincidência quando entrámos na barra, veio o piloto para conduzir o navio, eu estava de quarto nesse dia também, então ainda uma última vez pedi ao capitão que me deixasse sair, mas ele disse não e acabou.
Então fartaram-se de mandar telegramas para me apresentar, mas já eu tinha ido à inspecção para a Marinha e nunca mais liguei. Quando acabou a Marinha, voltei a Peniche e fui para a traineira, entretanto no bacalhau já não havia metade dos barcos à linha, era tudo redes de emalhar e arrasto, então o Lino o tal que me viu ir no bote que virou, andava num dos navios da casa, já com redes e o Capitão Vidal estava em Peniche no Café Gaivota, e fui-lhe pedir porque se ganhava muito mais agora e a vida não era tão dura no bacalhau, e eu precisava de dinheiro para me casar, faria nem que fosse uma época e parava, lá fui pedir ao capitão Vidal se precisava de redeiros, para me arranjar lugar e ele ficou com o meu nome, então chamaram o Lino e a mim não me chamaram, ora o que é que eu faço, vou ao escritório a Lisboa e pergunto porque não fui chamado uma vez que o Lino foi chamado, o capitão Vidal ficou com o meu nome e nada, ele não abriu a boca, foi a uma estante tirou um processo que era o meu e tinha um risco vermelho em diagonal de alto a baixo, por não responder às chamadas quando fui para a Marinha, o meu nome ficou interdito para a pesca do bacalhau.
Pessoas para arranjar as redes, não se vêm a aprender, o pessoal está envelhecido e isto vai acabar. Eu por exemplo tenho 74 anos e sou dos mais novos a trabalhar nas redes. Não há incentivo para os jovens aprenderem a atar ou fazer uma rede nova. Acabando esta geração, não há ninguém que consiga fazer uma rede nova.
18/07/2023
À Conversa com… Jorge Maia
Penicheiro (embora legalmente das
Caldas da Rainha porque não se podia sair do hospital sem estar registado), 46
anos, capricorniano e curioso, um apaixonado pela fotografia, pela natureza e
também por Peniche.
P. A Associação Arméria, da qual és Presidente, tem seguido uma linha coerente em minha opinião, na defesa e divulgação do nosso Património geológico, Reserva da Biosfera da Berlenga, biodiversidade e sustentabilidade ambiental, etc. Queres desenvolver?
P. Quais são para ti os projectos a nível regional, concelhio e outros que mais preocupa a Arméria em termos ambientais, sustentabilidade, biodiversidade, património geológico, etc?
P. Quais são os projectos de curto/médio prazo da actividade da Arméria?
P. Estas conversas normalmente são limitadas por isso há sempre mais qualquer coisa que ficou por dizer ou que deveria ter sido perguntado, gostaria que para terminar dissesses algo que ainda não foi referido, inclusive algo de carácter mais pessoal e que para ti é importante.
Acabámos esta conversa/entrevista com o Jorge Maia, resta-me dizer que como ele partilhamos o gosto pela fotografia e pela sustentabilidade ambiental e preservação do património geológico. Um abraço e desejos de sucesso nas actividades empreendidas e continuação do “bichinho” da Fotografia que vais expressando através do Facebook.
30/06/2023
À conversa com… Eduardo Ferreira, Artista Plástico
Hoje vamos conversar com o Eduardo Ferreira, meu amigo desde o tempo de escola, da nossa EICP, têm-me interessado particularmente os seus trabalhos de pintura e desenho a carvão, etc. e é para perceber um pouco mais que lhe pedi se perdia algum tempo comigo.
P. Começamos esta pequena conversa com uma questão que sempre me impressionou, quando andávamos na EICP, principalmente no Ciclo Preparatório, onde tínhamos aulas de desenho e pintura, tu não mostravas particular apetência para essa disciplina, ou então eu andava distraído, mas eis que passados uns anos brota em ti a arte que estaria escondida, como explicas essa alteração?
R. No ciclo preparatório não mostrei grande interesse pelo desenho e pintura, mas a partir do terceiro ano (já na Formação) comecei a ter muito interesse no desenho técnico.
P. Depois do Curso Industrial que tirámos, tiveste várias vertentes na tua vida profissional, queres desenvolver o tema, nomeadamente algumas situações que recordes para o bem ou para o mal.
R. Quando comecei a minha actividade profissional fui directamente para o ramo da decoração, (lojas, perfumarias, livrarias, bares, discotecas, restaurantes etc.) e foi nessa área que montei a minha própria empresa. Foi também nessa altura que me dediquei à pintura, com vários anos a estudar rostos e aguarelas. O engraçado é que tanto nas aguarelas como nos rostos, queria saber tudo ao fim de 15 dias. Tive um professor que me deu aulas particulares de aguarelas durante 5 anos. Quando acabei o curso disse-me que, para consolidar o fundamental de aguarela (mancha) eu ira demorar mais de 20 anos e acertou.
P. Há uns anos que te dedicaste definitivamente às Artes Plásticas, como achas que estão “o estado das mesmas”?
R. Mudou muito. No meu tempo o top era a aguarela de mancha (pincelada única, muito difícil). Hoje a aguarela é pintada o mais real possível, depois penso que a juventude e as pessoas em geral pouco ligam aos quadros e às pinturas, tudo mudou.
P. A nível e local e penso que não só tens feito várias exposições, tens tido facilidade de expor os teus trabalhos? Achas que há condições/incentivos para a dedicação exclusiva à pintura como arte/profissão?
R. Fiz muitas exposições individuais e colectivas (a maior que fiz foi em Peniche, de 6 a 31 de Agosto, em 2007) no centro cultural da CMP, depois fiz várias tanto em Portugal, como no Estrangeiro. Actualmente há pouco interesse das pessoas em geral e da classe politica em particular - respondendo à tua pergunta: é uma profissão linda, mas pouco rentável e sem futuro.
R. A vida não é algo que já esteja escrito ou antecipadamente programado, mas sim o que nesta vamos inscrevendo, ao ritmo das circunstâncias. Uma formação académica, não nos instrui exclusivamente para uma profissão, mas, sobretudo, para nos habilitar a reflectir sobre diferentes projectos, pelo que realizar os nossos “sonhos” é o que dá sentido à nossa própria existência.
Por fim, quero agradecer o teu convite, enviando-te um muito obrigado por te lembrares da minha pessoa. Um abraço.
Alguns trabalhos em Aguarela do Eduardo Ferreira: