20/12/2007

Naufrágio do Fernando Ibarra 20/12/1943


(1)
Cerrado nevoeiro cobria todo o litoral, dificultando a navegação. E ia alta a madrugada de 20 de Dezembro de 1943 quando o mar, revolto, dando as mãos à névoa traiçoeira, atirou com o Fernando Ibarra - um barco espanhol, de 3308 toneladas, que fazia cabotagem entre os portos do norte e sul de Espanha - contra os penedos existentes entre o Baleal e o Vale de Janelas, ali mesmo onde já tantos outros barcos haviam encontrado os seus últimos dias, como se fora um lúgubre cemitério de navios.
Depositado sobre um banco de areia, imobilizado tragicamente, ao sabor das vagas, começou o Fernando Ibarra por ser açoitado, varrido de ponta a ponta, destroçado, impotente para livrar-se da sua difícil posição. A bordo encontravam-se algumas dezenas de homens que, a pouco mais de uma centena de metros da praia, viam a morte abrir-lhes os braços; que o mar, abatendo-se, cada vez mais violento, sobre o navio, não perdoava. Nenhum outro barco se podia aproximar sem correr o risco de despedaçar-se de encontro ao casco do Fernando Ibarra, enquanto de terra, tudo se tentava inutilmente.
E uma outra noite caiu, uma noite terrível cheia de medos e assombras, cortada de gritos impotentes, desesperados. Na praia, para darem alguma confiança aos náufragos, acenderam-se fogueiras, cujas labaredas como que desenhavam fantasmas de maus presságios. Chorava-se e rezava-se. A noite era um fogaréu de ansiedade. De madrugada, tentou-se então o lançamento de foguetes, a fim de se estabelecer comunicação com o barco colocando um cabo de vaivém. Um dos cabos prendeu-se, dois homens subiram para o cesto salvador; mas uma vaga enorme, brutal, abateu-se sobre eles, destroçando, num pronto, aquela esperança de salvamento.
Surgiu outra manhã. O Fernando Ibarra contava afundar-se, de um momento para o outro, pois até a ponte de comando fora já destruída. Foi então que, num ultimo acto de esperança, todos os homens se lançaram ao mar, tentando alcançar a praia. Saltaram, rebolaram por sobre as cristas das ondas, envolvidos em espuma, angustiados, enquanto na praia, se seguia ansiosamente o desenrolar da tragédia, olhos abertos a qualquer possibilidade de auxilio. Alguns homens - o José Olhinha, o Joaquim Cativo, o Teodoro Gomes, o Joaquim Comboio, o Pedro pescador, o Lúcio Freitas, heróicos pescadores de Peniche, lobos do mar que não temem a morte quando há companheiros em perigo de vida - , amarrando espias à cintura, entraram na água, lutaram desesperadamente contra as ondas, e salvaram um, dois, cinco, dez dos náufragos do Fernando Ibarra, que chegaram a terra exaustos, nus, uma tragédia nos olhos espantados, um soluço profundo a despedaçar-lhes o peito vergastado pela tormenta. mas outros - mais de vinte! - jamais conseguiriam vencer a força brutal do oceano esmagador, deixando-se arrastar no embalo sinistro das ondas, quem sabe se pensando nas mães, nas mulheres ou nos filhos que, na sua terra distante, os aguardariam, impacientes, para festejarem a ceia de natal... (2)

(1) - Ilustração livre feita para este post
(2) - texto de Mariano Calado em "Peniche na História e na Lenda"

1 comentário:

Elvira Carvalho disse...

Memórias de tragédia em terras onde o homem vive essencialmente do mar.



Amigo não tenho passado porque tive a mãe (com 82 anos e paraplégica)muito doente. Felizmente que agora já está livre de perigo.
Um abraço