29/12/2007

O Operário parado

Era um homem que ia muita vez, quase todos os dias, de camioneta para o pé da fabrica, seu antigo emprego, António de seu nome, trabalhou numa zona muito industrial, com estaleiros e fabricas e serviços, em dias de trabalho pelas 8 horas da manhã tudo aquilo fervilhava de gente era um curropio, centenas e centenas de empregados a caminho dos seus trabalhos. António tem 57 anos, veio do Alentejo nos anos 60/70 á procura de trabalho naquela zona, e conseguiu, fixou-se numa daquelas aldeias/cidades que se formaram rapidamente ao longo dos anos, que deram lugar a grandes torres, autênticos dormitórios da massa humana que se deslocava ordeiramente e maquinalmente a caminho dos grandes centros industriais. Mas o que fará este homem, pensa o porteiro da fábrica, já fora disto a vir aqui tanta vez?
António está já há seis meses no fundo de desemprego, houve uma altura em que o chamaram aos recursos humanos e negociaram a sua saída para, diziam, reorganizar a empresa, ele era soldador, seria velho? acertaram as contas e lá foi o nosso homem para casa.
Mas o que fazia este homem no dia a dia? as pessoas que viviam no prédio mal as conhecia, as compras eram feitas fora daquela zona de dormitório, amizades ali, poucas ou nenhumas a não ser os seus colegas de trabalho que também lá viviam, mas esses estavam a trabalhar durante toda a semana. Que fazer então? Terras de cultivo só lá no Alentejo na sua terrinha, os pais já falecidos chegaram a ter uma pequena terra onde se poderia entreter, mas já não tinha lá nada e ir para lá agora não podia, a sua vida estava ali, os seus dois filhos ali estavam naquela zona, a sua mulher felizmente ainda trabalhava no refeitório da mesma empresa já há vinte anos e não poderia largar tudo, logo agora que tinha uma quantia no banco, pudera, toda a vida trabalhara honestamente e já lá tinha a sua indemnização, agora era mas era descansar até tratar da reforma, já trabalhou muito. Mas os dias sucediam-se e o primeiro entusiasmo de estar parado foi dando lugar a alguma ansiedade, para alem do almoço que tinha de fazer os trabalhos eram poucos. Foi então que se lembrou de ir visitar os seus antigos companheiros á porta da fabrica, ali mesmo ao pé deles, ouvir-lhes as bocas acerca do governo, da forma como estava a ser gerida a empresa ou do Benfica e do Sporting, caramba ele tinha saudades disso, até quando estava no refeitório e o Sporting perdia e eles se metiam com ele, que saudades disso. E foi um dia e outro, e quando estava dois ou três dias sem ir á porta da fabrica, já sentia falta, á mesma hora que os amigos, ali mesmo, se eu pudesse entrar caramba, que bom que era.
António era um deslocado sem saber, o porteiro da empresa percebeu depois porque ele tinha de ir ali quase todos os dias, outros companheiros começaram a aparecer, também eles tinham ido para casa, estavam desenquadrados, uma vida de trabalho ali desenraizou-os, depois de conversarem um pouco lá seguiam cada um o seu destino para as suas casas onde pouca gente conheciam, até o porteiro já se metia com o António e já se despediam com um, até amanhã amigo.
(este texto é ficcional)

2 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Sucesso e muita felicidade em 2008.
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O texto pode ser ficcional, mas não deixa de ser a realidade de muitos homens. Mau pai, hoje com 90 anos, quando foi reformado, levou mais de seis meses a ir todos os dias ao sítio onde trabalhava, para ver os colegas falar,enfim. Depois a minha mãe sofreu o primeiro AVC e ele tomou outro rumo.
Um abraço

Anónimo disse...

Poderá ser um texto de ficção, mas já vi realidades muito parecidas, em Peniche e noutras localidades do nosso País.

Em Peniche, basta reparar na quantidade de antigos pescadores ou melhor dizendo, pescadores reformados que costumam frequentar o Porto, a ribeira antiga entre outros locais da nossa terra.

O Drama social da deslocalização de empresas, sobretudo industria, ou o seu encerramento devido à forte concorrência vinda de outros países que por factores económicos não podemos (falta de vontade política?) competir.