O homem estava sentado na varanda
de sua casa, aborrecido, o dia caía docemente, não se ouvia um murmúrio de
vento, o fim de tarde era quente ainda, iria ficar por casa, ninguém o esperava
em parte alguma, mas sentado, começaram a passar pela sua frente imagens em
catadupa, as imagens dos últimos dias, que não consegue esquecer, um homem fala
a custo mas com uma dignidade da perda da mulher e de duas filhas uma de 15 e
outra de 12, brutal, não as consegui salvar dizia ele, noutra imagem passam um
casal e os filhos que estavam desaparecidos e foram encontrados entre as
vitimas, andavam em férias, felizes, ficaram na estrada, noutra imagem
passa-lhe pela frente uma mulher a apontar para pó e cinza, isto é tudo o que
tenho, nada, fiquei sem nada, nem uma cama para dormir, numa aldeia, morreram
onze pessoas, o homem continua sentado, mas um nó na garganta torna-se numa
quase dor, sabe, tem conhecimento pessoal, que há homens em Pedrogão Grande que
lá estão desde o inicio do incendio, que não vêm a casa vai para quatro dias,
que luta desigual, vê entrevistadores a querer acusar governantes em directo e desliga a TV, não tem paciência, e sentado na varanda vê que está num qualquer paraíso,
porque o inferno está lá longe. Duas grossas lágrimas escorrem pela cara no silêncio
do fim de tarde. Na sua varanda.
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