Gigante Jurássico
ficou 56 anos fechado
Ossadas de Dinossauro descobertas
há 60 anos revelam-se um achado importante na área da Paleontologia. O fóssil
de 300 kg estava em 30 caixas na Amadora, escondido do mundo. Um aluno de
mestrado retirou-o da rocha e limpou-o. Foram precisas entre oito a dez mil
horas de trabalho só para tirar os grãos de rocha e remover o sedimento à volta
de todos os ossos.
Os ossos, já têm 152 milhões de
anos, mas saíram agora do baú e estão como novos. Foram descobertos há 60 anos
em Atouguia da Baleia, Peniche, por um geólogo de origem russa, Georges Zbyszewwski, quando fazia
estudos de cartografia geológica e levados para o LNEC (Laboratório
Nacional de Engenharia Civil) em Alferragide, na Amadora. Ficaram guardados e
bem acondicionados mas completamente esquecidos. Até 2015, ano em que o
Paleontólogo Francisco Costa, da F.C. e T. da Universidade Nova de
Lisboa os começou a estudar para a tese de mestrado. Em 2017, os ossos ganharam
a forma de um dinossauro e o nome de um gigante herbívero que viveu no
Jurássico Superior: o estegossauro
Miragaia Longicollum. Trata-se do dinossauro mais completo de Portugal e
do estegossauro mais completo da Europa. O achado teve direito a ser
publicado numa revista científica e o mestrando teve 20 valores, nota máxima.
“Foram precisas entre oito mil a
dez mil horas de trabalho só para tirar os grãos de rocha e remover o sedimento
à volta de todos os ossos. O estudo e a preparação levaram dois anos, entre
2015 e 2017. Estou muitíssimo orgulhoso de ter sido eu a estudar este
dinossauro, que é o mais completo de Portugal”.
Francisco Costa, 28 anos, tem
brio pelo trabalho minucioso que realizou e pelos proveitos científicos que
retirou: “ No grupo dos estegossauros deve ser o mais completo do mundo. Por
isso vai dar-nos muitos dados que não conhecíamos”
Mas quem é este gigante do
jurássico? O estegossauro Miragaia
longicollum pertence à categoria dos dinossauros herbíveros. Comia
vegetação de nível arbustiva, apesar de não conhecermos exactamente que tipo de
vegetação se tratava. Vivia perto do mar, numa região baixa, com muitos rios e
água doce e vegetação abundante. Tinha 2.5 metros de altura e seis metros de
comprimento. Pesava entre três a quatro toneladas. Para se defender tinha
espigões assustadores na cauda e placas no dorso. A cauda era usada como arma
para atingir os predadores e as placas regulavam a temperatura corporal. Tinha
uma cabeça pequena e alongada. Fazia 5 a 15 Km por hora. O Miragaia longicollum deve o seu nome a uma freguesia do concelho da
Lourinhã. Foi baptizado em 2009 pelo paleontólogo Octávio Mateus aquando
da descoberta do primeiro exemplar desta espécie na década de 1990. No entanto,
só existia a metade frontal de um esqueleto. O achado da Atouguia da Baleia
revelou um esqueleto muito mais completo, tornando-se uma conquista científica
na área da Paleontologia.
Pescoço Longo
Com este achado confirmaram-se
algumas suspeitas científicas. “Já sabíamos que ele tinha um pescoço muito
comprido e que o usava para conseguir alimentar-se, chegando às copas das
árvores. O pescoço tinha 17 vertebras, mais 10 do que uma Girafa, por exemplo,
o que revela uma anatomia curiosa. Também suspeitávamos e confirmámos, que
tinha espinhos de grande dimensão – quase toda a sua cauda estava coberta com
duas fileiras de espinhos. Em vida, alguns dos espinhos de cauda deveriam ter
até metro e meio de comprimento, que usava para se defender dos maiores
predadores da altura, como o Torvosaurus
gurneyi, que foi o maior predador carnívoro que já existiu na Europa,
incluindo Portugal”, explica o Paleontólogo.
Para além de Francisco Costa, o
dinossauro da Atouguia também tem um padrinho, Octávio Mateus, igualmente
paleontólogo da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de
Lisboa e colaborador do Museu da Lourinhã. Está desde a primeira hora ao lado
do aluno de mestrado e foi ele que há 10 anos batizou este dinossauro como Miragaia longicollum. O nome de Octávio
Mateus está associado a outros dinossauros portugueses – cujo número ronda as
três dezenas – como by atlanticus
(herbívoro pescoço longo), o Allosaurus
europaeus ou o Lourinhanosaurus
antunesi (carnívero).
Pistas sobre o
passado
De facto, o novo espécime não é
propriamente novo. Já tem 10 anos, “O que descobrimos agora é que esta espécie
é válida. Não tínhamos ainda a certeza, apesar de ser uma hipótese forte. A espécie
foi reconhecida a partir do exemplar descoberto em Miragaia. Agora podemos
compreender melhor a sua anatomia e a sua posição na árvore da vida. O Miragaia longicollum veio ajudar, por
exemplo, a compreender como é que a América do Norte e a Europa estavam ligadas
durante o Jurássico”, refere Octávio Mateus, de 44 anos – autor e coautor de
mais 200 publicações (capítulos de livros, artigos científicos e resumos de
conferencias) – falando na possibilidade de existir uma ponte de terra entre os
dois continentes devido à presença de um primo do Miragaia longicollum na América do Norte – mostra que a espécie
passou de um lado para o outro.
Mas o estegoussaurus de Miragaia
tem também parentes noutros países da Europa, designadamente em Inglaterra. Só
que o dinossauro inglês, tal como o Miragaia de 2009, é muito incompleto e dele
só se conhece a parte de trás.
“Este espécime de Atouguia da
Baleia veio mostrar um dinossauro muito mais completo – tem a parte de trás e
também parte da frente – e isso permitiu compará-lo com muitos outros. É uma
espécie de Pedra de Roseta”, avança Octávio Mateus, quase chave para abrir o
passado e que nos deixa novas pistas sobre a vida dos estegossauros.
A forma como os gigantes
herbívoros procuravam comida é também um dado relevante e ajuda a explicar a
anatomia dos dinossauros. Nesse aspecto, o Miragaia parece ser de fácil
compreensão. Aquele pescoço diz tudo.
“O Miragaia longicollum viveu há cerca de 152 milhões de anos, num
período a que chamamos Jurássico Superior, período de onde vêm os grandes
dinossauros descobertos em Portugal, sobretudo na região Oeste, na zona da
Lourinhã, incluindo os dinossauros saurópodes, os de pescoço comprido, e alguns
carníveros – como o Lourinhanosauros e o Torvossauros. O que é curioso é que na
altura havia muitos saurópodes, os tais de pescoço comprido, de grandíssimo
porte, todos gigantes, o que fez com que o nicho ecológico para pastar, entre
um e três metros, estivesse relativamente desocupado. O estegossauro evoluiu de
forma a aproveitar esse nicho de alimentação e por isso o pescoço comprido que
tem”, explica Octávio Mateus.
E o que aconteceu ao nosso
Miragaia? Desapareceu, claro. “Conhecemos apenas dois exemplares e são da mesma
idade. Ele apareceu e extinguiu-se. Esta espécie viveu um, dois ou três milhões
de anos. Não sabemos a causa da extinção, nem sabemos a causa da origem.
Naturalmente, e inevitavelmente, todas as espécies se extinguem. Esta foi mais
uma”, adianta.
300 Quilos de fóssil
O fóssil agora redescoberto
estava distribuído por 30 caixas de madeira e dividia o espaço com outro
dinossauro, que também está a ser catalogado por um paleontólogo do Laboratório
Nacional de Energia e Geologia. No seu conjunto as ossadas deverão pesar cerca
de 300 quilos. O osso mais pesado é o fémur, com 80 quilos e a seguir a tíbia,
com 60. O crânio, completo, deveria ter 15 quilos.
Mais do que os 300 quilos de
fóssil, é o peso histórico que vale a pena preservar. Razão pela qual Octávio
Mateus e Francisco Costa transportam o seu dinossauro como se fosse uma pluma.
“Vamos pôr o fémur aqui, agora os pés, com cuidado. Atenção à cabeça. Mais uns
restinhos e está na posição correcta”. O fóssil ocupa várias mesas de uma sala
do LNEG, no campus de Alferragide. Os ossos estão devidamente distribuídos e os
paleontólogos dão os últimos retoques para o seu achado ficar bem na
fotografia. E até os mais ignorantes na ciência dos fósseis conseguem perceber que
está ali um dinossauro. Não tão perceptivel a olho nu, porem, é o metro de osso
que falta na zona do dorso.
Um marcador que é um
martelo
Para chegar aos dias de hoje, o
nosso gigante do passado precisou de muito mimo. Octávio Mateus explica: ”O
trabalho começou em Setembro de 2015. Já sabíamos da existência deste
dinossauro nos arquivos uns três anos antes, mas era preciso prepará-lo,
trabalhar os ossos e retirá-los da rocha, o que aconteceu entre 2015 e 2017. A
preparação propriamente dita foi feita no laboratório com recurso a um micro
martelo pneumático, uma espécie de martelo pneumático das obras, mas do tamanho
de um marcador, e que permitiu esgravatar a rocha afastando-a e retirando-a do
osso. E esse trabalho foi feito pelo Francisco, que passou horas infindáveis,
dias, semanas, meses a retirar todos os grãos de rocha que estavam a envolver
estes ossos. E não se estragou até hoje porque tinha sedimentos à volta, mas
assim que se retirou da rocha foi preciso protege-lo. Seguiu-se o estudo
propriamente dito e agora a publicação”.
Francisco Costa defendeu a sua
tese já há cerca de dois anos. Seguiu-se, explica Octávio Mateus, “todo o
trabalho da publicação científica, que veio validar a descoberta perante os
pares. Só no dia em que saiu o artigo científico de 124 páginas, na prestigiada
PLOS ONE, é que a descoberta foi anunciada. A tese em si, convém dizer, é de 20
valores, o que demonstra a qualidade do trabalho do Francisco”.
Datar por aproximação
A própria datação da descoberta
também não foi fácil e começou por ser um trabalho de aproximação. As caixas
tinham etiquetas que serviram como primeira pista. Uma das etiquetas era uma
folha de agenda de 19 de Junho de 1951. Parecia fácil, claro, mas acabou por
não ter correspondência com a data real. Graças a publicações periódicas em
cartas geológicas da época, os paleontólogos conseguiram chegar ao período
1957/1960. Antes de 1957 não havia qualquer referência ao achado de Atouguia da
Baleia. Mas já havia após o ano de 1960. O passo seguinte foi a análise aos
elementos químicos que compunham as rochas e aí foi fundamental o registo
histórico do LNEG. O ano de 1959 começava a desenhar –se como o mais provável.
A comparação com a anatomia de outros dinossauros já existentes eliminou as
dúvidas que ainda pudessem existir. Pormenor curioso, também de alguma
relevância, foi a inscrição, numa das etiquetas: ‘Athouguia da Baleia’.
Mas o trabalho de Francisco
Costa, que beneficiou de uma bolsa de investigação financiada pelo LNEG para
desenvolver este projecto, está longe de estar concluído. O conjunto de ossos
ainda vai ser montado e colocado em pé, formando um esqueleto quase completo de
um dinossauro que em vida pesou entre três a quatro toneladas e andou por aí a
passear entre continentes. O espécime vai ficar exposto definitivamente no
Museu Geológico, na rua da Academia das Ciências, em Lisboa, no próximo ano.
Para o futuro, fica a dúvida.
Será que naquele baú ou em outros laboratórios idênticos há mais achados desta
natureza?
Segundo Octávio Mateus, um paleontólogo
pode fazer um excelente trabalho no campo a descobrir novos fosseis e a
desenterra-los, mas também pode ir a um laboratório ou a um museu e encontrar
aquilo que passou despercebido a outros.
“Há fosseis que requerem estudos
e novas atenções. Até aqueles que já foram estudados. Convém voltar a
analisá-los com uma perspectiva moderna, por exemplo com conhecimento da
tectónica de placas, que é relativamente recente, ou evolução das espécies. Até
mesmo os fósseis já conhecidos podem dar-nos informação extra”. Quem sabe se os
laboratórios não serão verdadeiros templos de dinossauros.
(Artigo feito a partir de texto e
imagens inseridas em Revista do Correio da Manhã)
Créditos:
Paleontólogos:
Octávio Mateus
Francisco
Costa
LNEG
PLOS ONE
CM Revista
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