18/07/2023

À Conversa com… Jorge Maia

Penicheiro (embora legalmente das Caldas da Rainha porque não se podia sair do hospital sem estar registado), 46 anos, capricorniano e curioso, um apaixonado pela fotografia, pela natureza e também por Peniche.

 Hoje vamos conversar um pouco com o Jorge Maia, Presidente da Associação ARMÉRIA - Movimento Ambientalista de Peniche, uma pessoa que conheço há muito, de grande sensibilidade humana e muito empenhada e interessada nas questões da sustentabilidade ambiental, da biodiversidade, das novas fontes energéticas que poderão surgir e os seus impactos, da preservação e divulgação do Património Geológico de Peniche e não só.

               P. A Associação Arméria, da qual és Presidente, tem seguido uma linha coerente em minha opinião, na defesa e divulgação do nosso Património geológico, Reserva da Biosfera da Berlenga, biodiversidade e sustentabilidade ambiental, etc. Queres desenvolver?

                R. Durante algum tempo tentou-se “vender” a ideia que o ambiente / ecologia seriam um entrave ao desenvolvimento e/ou à economia. A Arméria teve desde sempre uma postura vocacionada para a educação ambiental, de todas as faixas etárias, assim como para quebrar os tabus de que a defesa de determinados valores implica ser inimigos do progresso ou apenas uma posição de minorias ou radicais. A caminho de 1/4 de século, no ano de 2024, muitas das coisas que estão agora a tornar-se realidade têm sido algo que a associação tem falado, muitas vezes em jeito de sugestões. Essa coerência e discrição foi apenas muito pontualmente quebrada por tomadas de posição públicas. Consideramos que é nas pequenas coisas que é possível fazer a diferença. Os grandes problemas exigem grandes meios e soluções muitas vezes demoradas, mas há muitas questões que a solução passa simplesmente pela consciencialização e/ou a alteração de pequenos pormenores, é aí que podemos fazer a diferença, até porque somos uma entidade que depende exclusivamente do voluntariado.

                P. Por vezes dou por mim a pensar que alguns movimentos ambientalistas “são mais papistas que o Papa” para usar uma expressão popular, ou simplificando têm ou apresentam reivindicações irrealistas, para o momento em que são feitas. O que achas? Alguma verdade nesta minha afirmação ou nem por isso? – Posso dar um exemplo de há uns dias, uma organização ambientalista conhecida, afirmava que “os portugueses comem peixe a mais” ou seja 2.5 vezes mais que a média da UE. Sem enquadrar os costumes alimentares portugueses, e até o aspecto saudável de se comer peixe, concordas com aquela afirmação?

                R. Há efectivamente alguns movimentos ambientalistas que defendem posições ou medidas irrealistas, mas infelizmente também há algumas decisões políticas ou de grandes grupos económicos que são verdadeiros pesadelos para o futuro do planeta. Como em tudo na vida é preciso muito debate, procurando compatibilizar os diferentes valores em causa. Por exemplo, em Peniche, um dos motores do turismo é a beleza e a riqueza natural. Se não se investir na defesa e valorização (também económica) será como não investir na saúde das pessoas, mas no tratamento das doenças… Para tal é preciso um pensamento com uma visão estratégica e alargada das questões, onde ambiente e economia são aliados. Relativamente à alimentação portuguesa, o problema não é o peixe no seu todo, mas nomeadamente o bacalhau, devido à distância e ao método de tratamento, que necessita de uma grande quantidade de recursos planetários. O peixe seco, um produto tradicional português, tem nesse campo grandes potencialidades / vantagens, ao ser um produto local, podendo usar peixe que não seria vendido. É preciso ter consciência que a alimentação é um campo em que as decisões individuais podem contribuir em muito para que rumo o planeta caminha. Mais do que não comer carne ou peixe, é preciso sim ter consciência do que tal consumo implica e fazer depois escolhas conscientes. O desperdício alimentar, o transporte de produtos exóticos versus o consumo de produtores locais / nacionais, a produção intensiva são questões que têm de estar na mente de todos.

               P. Quais são para ti os projectos a nível regional, concelhio e outros que mais preocupa a Arméria em termos ambientais, sustentabilidade, biodiversidade, património geológico, etc?

                R. Há ainda um grande atraso na implementação de percursos pedestres homologados no concelho, sendo também ainda precária a preservação e valorização do património natural. Continua a ser necessário a sensibilização contra as mariolas (montes de pedras que para além das implicações ambientais também são más para o turismo) nomeadamente colocando placas de sensibilização onde estas são feitas, e, caso tal não resulte implementar a solução existente na Galiza da sua proibição com multas pesadas. A nível regional Peniche é um dos municípios que integra o Aspiring Geoparque Oeste, tal é uma oportunidade para aproveitar as sinergias e a complementaridade com os municípios vizinhos. Com um prego dourado, na Ponta do Trovão, e uma riqueza tão grande justificava-se a existência na península de Peniche de um espaço museológico / centro de interpretação dedicado a esta temática. Encontra-se igualmente em desenvolvimento a candidatura da Área Protegida do Planalto das Cesaredas, algo que deverá evidenciar a riqueza desta região, mas que com a construção de uma central fotovoltaica, que esteve em consulta pública no início deste ano, localizada integralmente na freguesia de Serra D’El-Rei, que ocupa sensivelmente 50% da área do planalto do nosso concelho, poderá comprometer as vantagens que tal classificação natural poderia permitir para Peniche. A nível nacional importa ainda destacar o “Simplex Ambiental” um diploma legal já em vigor, contrário às regras europeias e que, mais do que simplificar, promove o facilitismo e consequentemente a perigosidade de projectos serem implementados sem os necessários estudos e debates.

                P. No que diz respeito por exemplo à Berlenga que é Reserva da Biosfera e sobre a qual se disse que iriam ser implementadas medidas para limitar as idas e tempo de estadia naquela Ilha, assim como outras medidas de carácter das pescas, achas que as medidas estão a surtir efeito e estão a ser cumpridos os critérios exigidos pela Reserva?

                R. Relativamente às viagens a Berlengas e ao tempo de permanência não tenho conhecimento se estarão a surtir o efeito desejado. Penso que poderia aproveitar-se a capacidade das empresas turístico-marítimas, já existente, para diversificar o tipo de ofertas, nomeadamente aproveitando o potencial da costa (algo que a Arméria tem realizado pontualmente e sem intuito comercial). A Arméria faz parte desde o início do processo que conduziu a que haja neste momento uma Cogestão da Apanha do Percebe da Reserva Natural das Berlengas (sendo o primeiro local a implementar isto para uma pescaria). Neste processo, mariscadores, cientistas e outras entidades de diversas naturezas, públicas e privadas definem, em conjunto, algumas regras e medidas para uma gestão sustentável do percebe. Tem-se verificado um maior diálogo entre as várias partes interessadas, mais conhecimentos científicos e também alguns ganhos para os mariscadores.

               P. Quais são os projectos de curto/médio prazo da actividade da Arméria?

                R. A Arméria pretende continuar a realizar as iniciativas a que já habituámos os nossos sócios e a comunidade, nomeadamente a realização de saídas de campo e de mar (no fundo aulas de educação ambiental ao ar livre) e a realização de colóquios com algumas personalidades de renome, em parceria com o Rotary Clube de Peniche. Continuaremos a nossa colaboração igualmente com diversas escolas e vários níveis de ensino. Este ano iremos participar na bienal do mar (uma iniciativa municipal) e em 2024 provavelmente teremos um conjunto maior de eventos para celebrar os 25 anos, mas ainda não está nada planeado (apenas algumas ideias em mente). Apesar da nossa programação muito atempada, por vezes surgem convites ou situações inesperadas a que procuramos dar resposta.

               P. Estas conversas normalmente são limitadas por isso há sempre mais qualquer coisa que ficou por dizer ou que deveria ter sido perguntado, gostaria que para terminar dissesses algo que ainda não foi referido, inclusive algo de carácter mais pessoal e que para ti é importante.

                R. Posso referir o facto da história da “sustentabilidade nacional” ter um marco importante na luta contra a construção da central nuclear em Ferrel. Em breve será debatido publicamente o novo Plano Director Municipal, este poderá ser um momento importante para a participação pública e para validar a maturidade da democracia a nível local. Para terminar posso falar um pouco sobre o meu gosto pela fotografia, algo que muitas vezes junto com as caminhadas. Tento partilhar um pouco dessa minha visão do mundo, sobretudo de Peniche, no Facebook.

Acabámos esta conversa/entrevista com o Jorge Maia, resta-me dizer que como ele partilhamos o gosto pela fotografia e pela sustentabilidade ambiental e preservação do património geológico. Um abraço e desejos de sucesso nas actividades empreendidas e continuação do “bichinho” da Fotografia que vais expressando através do Facebook.

 

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