05/12/2023

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In “ Os Pescadores” de Raul Brandão. “Peniche é horrível. …cheira que tomba, e só conserva duas coisas interessantes: o cabo (hão-de deitá-lo abaixo) com a Senhora dos Remédios e a esplanada, que é um esplêndido cenário para o ultimo acto da Tosca e um ponto de vista admirável para o sul… mas Peniche é sobretudo horrível para mim, porque é o tipo de pesca industrializada, o barracão, a fábrica de peixe, a caserna da sardinha, onde impera o Fialho do Algarve. Só me ficou uma impressão grata. Perdi-me. Fui por uma rua fora e entrei num rés do chão, escola de rendeiras. Nenhuma teria mais de dez anos… algumas com dois palmos mal sabiam falar. E todas aquelas mulherezinhas, sentadas no chão e debruçadas sobre os bilros e piques, levantaram a cabeça e puseram-se a rir para mim… Daqui ao cabo é meia légua através de muros vinhas e casebres. Quero olhar para as Berlengas de mais perto.”

Se eu pudesse escrever ao Sr. Raul Brandão, diria que já li o seu livro duas vezes, possivelmente ainda lerei mais uma vez, porque é um livro que faz um retrato muito preciso da vida ao longo da costa portuguesa, tanto no aspecto etnográfico, da vivência dos povos da beira mar, das suas dificuldades e o papel da mulher nesse contexto, também aprecio o facto de há mais de cem anos já existir da sua parte uma grande preocupação com a sustentabilidade das espécies marinhas, ou seja será dos primeiros livros escrito em Portugal com preocupações ambientais e de sustentabilidade. Mas vejamos, no que respeita a Peniche terá sido justo?, a mim parece que não, ficou enamorado do Baleal, a quem chamou a mais bela praia portuguesa, ficou apaixonado pelas Berlengas onde passou três dias e apreciou aquela maravilha da natureza onde refere com precisão toda a beleza do arquipélago não poupando em adjectivos aquilo que considera a coisa única da costa portuguesa.

Mas tirando isto que não é pouco, porque realça as belezas naturais de Peniche, enquanto nos outros locais onde passava como por exemplo ali bem perto, descreve com minúcia a vida de homens e mulheres da Nazaré e bem, em Peniche dá a impressão que entrou passou pela Fábrica do Fialho, onde lhe cheirou a peixe, e não mais referiu a vida dos pescadores de Peniche, das mulheres que trabalhavam na Ribeira velha, as armações, os barcos de pesca, não, faltou de facto referir toda a vida marítima de Peniche que era muito intensa já naquele tempo, só porque ficou indignado (?) com o cheiro a peixe e talvez a sujidade das ruas. Repare Sr. Raul Brandão, ironia das ironias mais de 100 anos depois ainda temos a Fábrica do Fialho à entrada de Peniche (agora de outros proprietários) e cá continuamos.

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