08/05/2024

À Conversa com João Manuel Neves – Membro da URAP

Conheço o João Manuel Neves (JMN) desde que andando na Universidade Sénior, dava aula de Geografia, disciplina que eu gosto muito e que ele administrava muito bem, ficámos amigos/conhecidos e chegámos a ter longas conversas sobre os mais variados temas, depois da pandemia deixei aquela instituição mas tive pena de no último ano que ele lá esteve com um programa muito diferenciado e de contacto com as realidades locais não acompanhei. Por isso e pelo trabalho que o vi realizar nestes últimos tempos, ligado à Fortaleza de Peniche/Museu nacional Resistência e Liberdade (MNRL), resolvi propor-lhe uma conversa.

 

P Pode contar (muito) resumidamente, um pouco do seu percurso ao longo da vida até ao 25 de Abril?

JMN - Nasci em Peniche, na Rua dos Hermínios, numa casa em frente ao actual Auditório Municipal.

Sou de uma família de antifascistas de Peniche, o meu avô paterno, teve um papel importante no apoio e solidariedade aos presos políticos da Fortaleza Peniche e aos seus familiares. O meu pai, foi preso político, tendo estado na prisão de Caxias. Foi detido no estaleiro de construção naval, em Peniche de Cima.

Conclui a 4ª classe em Peniche, na escola velha, e depois fui viver para a Cova da Piedade/Almada.

Comecei a trabalhar com 11 anos de idade, dado que o meu salário era necessário para a subsistência da família. No mundo do trabalho desempenhei várias actividades: Marceneiro, Ourives, Empregado de Comércio, Operário de Construção e Reparação Naval (Sociedade de Reparações de Navios, H. Parry & Son e Lisnave), Funcionário de Partido Político (PCP), Operário da Renault Portuguesa, Animador Cultural e Desportivo, Técnico de Comunicação, Técnico Superior de Planeamento, na Câmara Municipal de Setúbal e Professor do Ensino Secundário.

Actualmente sou Professor-aposentado, Voluntário no MNRL - Museu Nacional Resistência e Liberdade, e do Conselho Directivo da URAP - União dos Resistentes Antifascistas Portugueses.

           P Qual foi a sua intervenção mais importante, do seu ponto de vista, antes do 25 de Abril

JMN - Desde muito jovem, 14 anos, envolvi-me de forma organizada, na luta pela Liberdade, pela Democracia, contra a Guerra Colonial, pela Paz, e por melhores condições de vida para o nosso Povo. Empenhei-me em diferentes actividades da Oposição Democrática. Fiz parte da Comissão Nacional Organizadora do 3º Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, em Abril de 1973, tendo discursado na sessão inaugural em representação da juventude. Discursei no 1º de Maio de 1974, na concentração comício realizado em Almada/Cova da Piedade.

Desenvolvi importante actividade cultural nas colectividades de Almada e Cova da Piedade.

            POnde “estava” no 25 de Abril?

JMN - No dia 25 de Abril de 1974 era operário da Lisnave. O dia 25 de Abril é o dia mais importante da minha vida, dado que comecei a ver concretizados muitos dos objectivos pelos quais vinha lutando. O dia 25 de Abril e os restantes dias até ao 1º de Maio, foram vividos de forma muito intensa e entusiástica. No dia 25 de Abril, reunimos alguns elementos da Oposição Democrática de Almada e decidimos: apoiar aos militares, da Escola Prática de Artilharia, que se encontravam no Cristo Rei; fazer um comunicado de apoio ao levantamento militar mas, ao mesmo temo, exigir que fossem concretizados os objectivos pelos quais lutávamos: libertação dos presos políticos, a Liberdade, a Democracia, o fim da Guerra Colonial e a melhoria das condições de vida; marcar uma manifestação para dia 27 de Abril, para começar a exercer a liberdade conquistada; no dia 26 de Abril concentramo-nos frente à prisão de Caxias, exigindo a libertação dos presos políticos; dia 27 de Abril, participamos na manifestação pelas ruas de Almada e Cova da Piedade; dia 30 de Abril, fomos ao aeroporto de Lisboa receber Álvaro Cunhal; participamos na comemoração do 1º de Maio na Cova da Piedade/Almada; Depois, participamos na concretização das grandes transformações económicas, sociais, políticas e culturais, do pós 25 de Abril.

             PFoi professor de Geografia, gostava de ensinar?

JMN - Fui durante muitos anos professor de Geografia no ensino secundário, tendo leccionado turmas do 7º ao 12º ano, em Setúbal, Viana do Alentejo, Arraiolos, Óbidos e em Peniche. Sempre gostei muito de ensinar. Actualmente tenho dado aulas na Universidade Sénior de Peniche e tenho ido com frequência às escolas falar sobre o 25 de Abril. Integrado na comemoração do 25 de Abril, a URAP realizou 28 sessões em escolas de Peniche.

          P Com o aproximar dos 50 anos do 25 de Abril, começou como membro da URAP (União de Resistentes e Antifascistas Portugueses) a preparar e executar um vasto programa de entrevistas/depoimentos muitos deles de Peniche que se chamava, 25 de Abril, 50 anos, 50 histórias, 50 semanas de depoimentos até ao aniversário, conte-me como foi levar esse trabalho até ao fim, enfim como correu tudo entre dificuldades e facilidades

JMN - Pretendeu-se integrar este Projecto nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, envolvendo a 102FM, o Museu Nacional Resistência e Liberdade, a Câmara Municipal de Peniche, a URAP - União de Resistentes Antifascista Portugueses, contando com o apoio da Mútua dos Pescadores.

O Projecto 50 anos/ 50 história consistiu na recolha/gravação, em áudio e em vídeo, de depoimentos/testemunhos, na 1ª pessoa, de naturais ou residentes em Peniche, em torno do dia 25 de Abril de 1974, relatando as suas vivencias neste período.

Pretendeu-se, também, a recolha/gravação de depoimentos/testemunhos de ex-presos políticos, que estavam na Fortaleza, relatando como viveram o 25 de Abril no interior da prisão e a sua libertação no dia 27 de Abril.

Pretendeu-se ainda, a recolha/gravação de depoimentos/testemunhos de familiares de ex-presos políticos da Fortaleza, sobre como viveram o apoio e a solidariedade da população de Peniche.

O Projecto teve ainda como objectivo, durante 50 semanas, entre Maio de 2023 e Abril de 2024, ser emitido pela 102FM, semanalmente, um testemunho/depoimento.

Pretende-se que as gravações passem a fazer parte dos arquivos da 102FM, do MNRL, da CMP e da URAP, para memória futura.

Infelizmente não foi possível gravar alguns testemunhos, dado que muitos dos participantes activos no 25 de Abril, já não estão entre nós. Por outro lado, com muita pena nossa, não foi possível gravar testemunhos, de pessoas que estão entre nós, por indisponibilidade dos próprios.

          P Dentro desta temática, como encarou a receptividade da população de Peniche a este projecto? E na sua sequência qual o impacto do Roteiro da Resistência e Solidariedade e a fixação de Placas nos locais assinalados?

JMN - As gravações do projecto 50 anos/50 histórias estão disponíveis no Facebook da 102 FM Rádio, e podem ser ouvidas. Algumas das gravações tem milhares de visualizações, como podem ser verificadas.

https://www.facebook.com/watch/107254012643648/617484453648517

O Roteiro da Resistência e Solidariedade é uma parceria entre a URAP e do MNRL, que procura valorizar o contributo de Peniche no apoio e solidariedade para com os presos políticos da Fortaleza de Peniche e seus familiares. No Roteiro estão, neste momento, identificados 51 locais de Resistência, Repressão e Solidariedade, sendo apenas dois fora de Peniche, o posto da Polícia de Viação e Trânsito, em Porto de Lobos e a colónia de férias, para os filhos dos presos políticos, na Ilha do Baleal. Numa parceria da URAP com a Junta de Freguesia de Peniche, estão a ser colocadas placas identificadoras de alguns destes locais.

Em 2023, a URAP, realizou 54 visitas ao Roteiro, com 1645 participantes, quer de Peniche, quer de fora de Peniche, particularmente de escolas de todo o país.

Em 2024, até à abertura do Museu, realizámos 18 visitas, com 925 participantes.

PQuer acrescentar mais alguma coisa? É sabido que falta sempre qualquer coisa nestas conversas/entrevistas e algumas são importantes ser referidas.

JMN - A luta antifascista não é um problema do passado, mas do presente. Assistimos constantemente ao branqueamento do fascismo e ao apagar da importância da luta da Resistência pela Liberdade e pela Democracia e à subida de forças de extrema-direita, de ideias xenófobas e racistas. Cabe aos democratas e aos antifascistas transmitir com verdade e rigor, sobretudo às novas gerações, o que custou a conquista da liberdade, o que significou o regime fascista e valorizar a luta pela democracia, pela liberdade e pela Paz.

Sem comentários: